quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Um novo paradigma para a Cultura


Foi a 27 de Outubro de 2005 que foi assinada a Convenção de Faro, importante documento sobre o valor do património cultural na sociedade contemporânea e que entrou em vigor a 1 de Junho de 2011. Esta convenção nasceu no seio do Conselho da Europa, antecedida pelas convenções de La Valleta (1985), Granada (1992) e Florença (2000), e surgida a partir da experiência das Jornadas Europeias do Património. A sua grande inovação é o facto do património cultural ser constituído também pelo património imaterial e a sua relação com a sociedade contemporânea, tendo um cunho cívico e constituindo um factor de paz, entendimento e justiça, onde a iniciativa trás como indispensável a participação da comunidade científica e dos cidadãos e olha para o património como fomento de coesão social. Daí decorre um ponto de partida duma perspectiva onde as pessoas e não só o património edificado sejam factor essencial, naquilo que representam de criatividade e inovação.
Esta convenção põe em letra de lei o facto de ter deixado de fazer sentido a oposição entre uma visão centrada no património histórico, por contraponto à criação contemporânea. Pela primeira vez se reconhece que o património cultural é uma realidade dinâmica, envolvendo monumentos mas também as tradições e a criação contemporânea, e onde a diversidade cultural e o pluralismo têm de ser preservados contra a homogeneização e a harmonização. É o culminar de uma reflexão levada a cabo pela comunidade científica e pelo Conselho da Europa, desde os anos 70, em matéria de «conservação integrada» dos bens culturais e o passar da perspectiva do «como preservar o património», à questão do «porquê e para quem lhe dar valor?», como referiu Guilherme d'Oliveira Martins, presidente do Centro Nacional de Cultura. E esta ideia concretizou-se no entendimento segundo o qual o conhecimento e a prática respeitantes ao património cultural têm a ver, antes do mais, com o direito dos cidadãos participarem na vida cultural, de acordo com os princípios do Estado de Direito, conforme um conceito mais exigente de direitos e liberdades fundamentais. A Convenção considera, assim, o património cultural como um valor e um recurso, que tanto serve o desenvolvimento humano em geral, como concretiza um modelo de desenvolvimento económico e social assente no uso durável dos recursos, com respeito pela dignidade da pessoa humana. O património está pois, deste modo, na encruzilhada entre memória, herança e criação, visando a convenção prevenir os riscos do uso abusivo do património, desde a mera deterioração a uma má interpretação como fonte de conflitos. A cultura de paz e o respeito das diferenças obriga, no fundo, a compreender de maneira nova o património cultural como factor de  de compreensão e diálogo. Para defender, proteger ou preservar um testemunho ou um monumento há que considerar não só o valor histórico e patrimonial, mas também a relação que a sociedade tem com esse elemento.  Na relação com a História e com o património cultural há que assumir a herança histórica no seu todo, envolvendo os aspectos positivos e negativos. Na História remota, a memória é mais distante, mas quando se trata de acontecimentos recentes tudo é mais difícil. Como escreveu Guilherme d’Oliveira Martins,”O presente das coisas passadas é a memória; o presente das coisas presentes é a vida, e o presente das coisas futuras é a espera. A nossa relação com a Cultura apenas pode assim ser entendida a partir da História, das diferenças, da complexidade e do pluralismo, da responsabilidade e da capacidade criadora”. Eis o novo paradigma.

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