quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Breve história da linha de Sintra


A Linha de Sintra viu o seu primeiro troço, entre Alcântara-Terra e Sintra inaugurado em 2 de Abril de 1887, tendo a ligação até ao Rossio sido aberta em Junho de 1891. O primeiro projecto para a instalação de uma ligação ferroviária até Sintra foi apresentado pelo Conde Claranges Lucotte, que propôs um caminho de ferro entre o Forte de São Paulo, em Lisboa e Sintra, passando pelo Vale de Algés, com dois ramais, para Colares e Cascais O contrato foi assinado em 30 de Setembro de 1854 e aprovado por uma lei de 26 de Julho do ano seguinte; no entanto, e apesar de já terem sido efectuados alguns trabalhos, surgiram várias dificuldades, que levaram à rescisão do contrato, em 27 de Março de 1861 Em 25 de Outubro de 1869, o governo autorizou o Duque de Saldanha a construir uma ligação ferroviária sobre a estrada, em sistema Larmanjat, para ligar as localidades de Lumiar, Torres Vedras, Caldas da Rainha e Alcobaça; o contrato foi expandido até Sintra e Cascais em 1871, mas vários problemas provocaram o encerramento deste caminho de ferro, em 1877.
Em 1870 o engenheiro Thomé de Gamond apresentou um outro projecto, com 45 quilómetros, que se iniciava no Embarcadouro de Leste, em Lisboa, e terminava em Colares, passando em frente à Praça do Comércio, e por Belém, Caxias, Paço de Arcos, Oleiros, São Julião, Murtal, Estoril, Cascais, Alcabideche, e Sintra.
Em Janeiro de 1880 foi debatido no parlamento um contrato, assinado no mesmo mês com a Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses, para a construção de uma linha entre a Estação de Santa Apolónia e Pombal, passando pelo Vale de Chelas e pelas localidades de Torres Vedras, Caldas da Rainha, São Martinho e Marinha Grande; o governo apoiaria este projecto, com uma garantia de juro de 6% sobre a exploração. No entanto, esta proposta foi cancelada devido à queda do governo, pelo que a Companhia apresentou um novo plano ao parlamento, que consistia em dois grupos de linhas; o primeiro agrupamento era composto por uma ligação entre Alcântara e Torres Vedras, com ramais para Sintra e Merceana, enquanto que o segundo grupo continuava a linha até à Figueira da Foz e Alfarelos.
O governo estipulou que a construção do primeiro grupo de linhas seria contratado com a empresa Henry Burnay & Co., enquanto que as restantes ligações ficariam a cargo da Companhia Real; no entanto, esta discordou da decisão, e, em 9 de Maio de 1883 chegou a acordo com a casa Burnay para assumir a construção do primeiro grupo, tendo o respectivo trespasse sido oficialmente pedido em em 15 de Maio de 1885, e autorizado por um despacho ministerial de 28 de Julho, com uma garantia de juro de 5%.
A construção fez-se a bom ritmo, respeitando os trâmites firmados com o governo, tendo a ligação entre as Estações de Alcântara-Terra e Sintra sido estabelecida em 2 de Abril de 1887; a via entre Campolide e Agualva-Cacém foi duplicada em 1895.
Um alvará de 7 de Julho de 1886 concedeu à Companhia Real o direito para construir uma linha férrea entre a Linha do Leste, em Xabregas, à Linha do Oeste, em Benfica; outro alvará, de 9 de Abril do ano seguinte, autorizou a Companhia Real a construir e explorar uma linha de cariz urbano, em via dupla, que ligasse a Linha do Oeste a uma interface no centro de Lisboa, para passageiros e mercadorias. Um terceiro alvará, de 23 de Julho, autorizou a Companhia a construir dois ramais na futura Linha de Cintura, de forma a ligar à Estação Central de Lisboa (posteriormente Estação do Rossio). Em Junho de 1888 já se tinham iniciado os trabalhos na via férrea urbana até ao Rossio. Os estudos geológicos para o túnel foram efectuados pelo professor Paul Choffat, e, em Abril de 1889 o túnel estava completamente perfurado, e a Estação Central já se encontrava construída; a primeira composição atravessou o túnel em Maio de 1889, mas só em Maio de 1891 é que foi efectuada a inauguração oficial, e, em Junho seguinte, deu-se a abertura à exploração.
Durante a Primeira Guerra Mundial, não obstante os vários problemas operacionais provocados por este conflito, verifica-se um aumento considerável no tráfego urbano em Portugal, especialmente na Linha de Sintra. Em 1928 foi criado o concurso das estações floridas, com o propósito de melhorar o aspecto das estações na Linha de Sintra; esta iniciativa seria, posteriormente, e com o apoio da Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses e do Secretariado de Propaganda Nacional alargada a todo o país.
A via foi duplicada no troço entre Mercês e Agualva-Cacém em 17 de Outubro de 1948, e desta estação até Sintra em 20 de Janeiro de 1949.
Após o final da Segunda Guerra Mundial iniciou-se um programa de investimentos no transporte ferroviário, que procurava, entre outros objectivos, reduzir a dependência da tracção a vapor; assim, no I Plano de Fomento, estava planeada a electrificação da Linha de Sintra e de parte da Linha do Norte, o que serviu, igualmente, como um dos justificativos para a implementação de um sistema de centrais hidroeléctricas, do Plano Ferreira Dias.

                                                             Comboio a vapor, 1954
Em 6 de Abril de 1955, foi assinado o contrato de electrificação desta Linha, junto com o troço entre Lisboa e Carregado da Linha do Norte, pelo presidente da Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses, Mário Melo de Oliveira e Costa, e pelos engenheiros Ludwing, Denavarre, Levyrraz e Ângelo Fortes, em nome das empresas fornecedoras. Este documento previa a entrega de 15 locomotivas, 25 automotoras eléctricas para suburbanos, o apetrechamento e montagem de 2 estações de transformação, das catenárias e da sinalização eléctrica, a cargo do Groumpment d'Étude et d'Electrification de Chemins de Fer en Monofasé 50 Hz, e o apetrechamento e instalação dos equipamentos de telecomunicações.
A electrificação da Linha de Sintra e do troço entre Lisboa e Carregado foi inaugurada oficialmente em 28 de Abril de 1956, tendo a cerimónia sido integrada nas comemorações do centenário dos caminhos de ferro em Portugal. Em 28 de Abril do ano seguinte entraram ao serviço as primeiras automotoras eléctricas da Linha de Sintra, da Série 2000.
No entanto, ambos os projectos sofreram com um planeamento deficiente, o que resultou numa execução precipitada, e que impediu que se tomasse o melhor partido do novo tipo de tracção utilizado; com efeito, não se aproveitou para corrigir os traçados, então já com mais de meio século de existência, o que se tornou praticamente impossível após a instalação das infra-estruturas eléctricas, e porque a expansão urbana da década de 1950 foi ocupando terrenos que antes estavam livres, o que limitou o espaço disponível para correcções futuras. Além disso, também não se renovou a via antes de electrificar, o que se revelou problemático alguns anos depois, quando se tornou absolutamente necessário efectuar obras de remodelação; com efeito, devido à presença dos equipamentos eléctricos, as obras foram muito mais complicadas e lentas, o que provocou vários distúrbios na circulação ferroviária, com quebras na regularidade e qualidade dos serviços, o que afastou alguns dos clientes mais exigentes.
Em 1956 a Linha obteve um quadro de exploração superior ao previsto, com mais de 10 milhões de passageiros, que cresceram para cerca de 24 milhões em 1960. As taxas médias de crescimento revelaram a existência de ciclos de incremento exponencial, no qual os investimentos causavam um aumento na oferta, que era depressa alcançada pela procura, provocando a necessidade de mais investimentos; a velocidade com que a procura atingia o valor da oferta disponível tornou-se cada vez mais elevada, reduzindo a dimensão temporal dos ciclos. Assim, depressa a Linha se deparou com uma procura insustentável, fruto do rápido e inesperado crescimento habitacional na região de Lisboa.
                                           Uma viagem de comboio de Lisboa a Sintra anos 40

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Classificação do eléctrico de Sintra: a resposta da D.G. do Património Cultural


Como é sabido, a Alagamares desencadeou em Janeiro passado uma campanha contra o arquivamento da classificação do eléctrico de Sintra como monumento nacional, tendo para tanto recolhido 420 assinaturas e dirigido uma reclamação à Direcção Geral do Património Cultural. (ver antecedentes e histórico em http://alagamaresnews.blogspot.pt/2013/01/ainda-classificacao-do-electrico-de.html )
Respondeu-nos  agora a Direcção Geral do Património Cultural através de um extenso ofício de 8 páginas, datado de 14 de Fevereiro, indeferindo o pedido de reversão de tal arquivamento, com os seguintes argumentos:

-Que o despacho de abertura de instrução do processo de eventual classificação data de 18 de Março de 1997, resultou da tentativa de assegurar a salvaguarda e protecção legal do bem cultural através da figura legal da classificação, em virtude do seu abandono nessa data, e lenta degradação das infraestruturas, sendo que por iniciativa da autarquia a linha foi reinaugurada a 4 de Junho de 2004, encontrando-se presentemente em funcionamento em toda a sua extensão.

-que não existem circunstâncias susceptiveis de acarretarem diminuição ou perda de perenidade ou da integridade do bem, podendo considerar-se que “o conjunto apresenta um valor singular, um interesse histórico e turístico dos pontos de vista arquitetónico, técnico e industrial que justificam a sua eventual classificação de âmbito municipal”.

-que não se deve cair na banalização da classificação enquanto figura de salvaguarda patrimonial.

-que, compreendendo a questão dos afectos, dos sentimentos e das memórias patente na petição remetida pela Alagamares, não consideram que o arquivamento tenha como fim inglório o “lixo”.

-que o arquivamento tem em conta o enquadramento jurídico actual, e resulta de já não se encontrar ao abandono a linha e respectivas infraestruturas.

-que há todo um quadro legal que deve conduzir à classificação do imóvel não como de interesse nacional mas sim municipal, destacando o disposto no nº2 do artigo 20º da Lei 159/99 de 14 de Setembro, a alínea m) do nº2 do artº 64º da Lei 169/99 de 18 de Setembro, bem como o disposto nos artigos 15º nº2, 15º nº6, 94º nº1, 2, 4 e 5 da Lei 107/2001, de 8 de Setembro.

-que a lei pretendeu com a transferência de atribuições e competências atribuir maior responsabilização dos municípios na gestão e valorização do seu património cultural, sendo a classificação como monumento de interesse municipal a mais adequada.

Entretanto, na pendência desta reclamação, foi já pela Câmara Municipal de Sintra deliberado desencadear procedimento tendente à classificação da linha do eléctrico e suas infraestruturas e carruagens como de interesse municipal. A Alagamares vai acompanhar tal processo e oportunamente, face ao resultado e grau de protecção efectiva que tal estatuto confira, decidirá se o mesmo se adequa à real protecção do eléctrico, sendo que ficando a protecção reduzida, desencadeará um procedimento cívico tendente a reatar a classificação como monumento de interesse nacional, que entende ser devido, histórica e culturalmente, não colhendo plenamente o argumento de a reabilitação e o facto de se encontrar em funcionamento serem suficientes para garantir que no futuro assim seja (vejam-se, aliás, as paragens e intermitências no seu funcionamento recente).

Estaremos atentos.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Gerard de Visme, dono de Monserrate-anos 1790



Gérard de Visme ou Devisme, um dos proprietários da Quinta de Monserrate, foi um comerciante inglês que chegou a administrador das joias da Coroa portuguesa. Originário de uma família nobre e protestante, que por motivos religiosos teve de ir da Picardia para Inglaterra, depois da revogação do édito de Nantes, nasceu em 1726 e estudou na Westminster School, tal como o irmão, Louis, que foi um diplomata britânico eminente. Outro irmão, William, foi o autor dos actos da Igreja da Valónia, e outro irmão, Benjamim, distinguiu-se na Índia, onde chegou a coronel.
Quanto a Gerard, sabe-se que teve uma filha ilegítima, desconhece-se se teve esposa. Morreu em 1797, sem herdeiros legítimos, deixando os bens à filha, que casou com o conde e general Henry Murray.
Gerard fez os estudos em Westminster e dedicou-se posteriormente aos negócios, fundando um banco em Portugal, o Purry, Mellich e de Vismes. Chegou cá aos 20 anos e cá possivelmente nasceu a filha. Fazendo fortuna com o pau-brasil, adquiriu propriedades em Benfica (imagem abaixo) e a Quinta de Monserrate, sabendo-se ter sido amigo da princesa Carlota Joaquina.


Casa de De Visme em Benfica
Introduzido na corte, ocupou um posto na embaixada inglesa em Lisboa, onde aliás, um dos irmãos fora antes secretário. Por essa altura terá chegado a administrador das joias da Coroa e das minas de diamantes do Brasil.
O Palácio de Monserrate, arrendado e recuperado por si em 1791, foi uma das obras a que se dedicou durante a sua presença em Portugal, além do de Benfica, que possuía jardins magníficos. Também o presbitério da igreja anglicana e o hospital britânico em Lisboa tiveram a mão de Gerard de Visme.
O palácio de De Visme era um edifício simples constituído por uma estrutura de corpo central mais elevado que se ligava a duas torres cilíndricas nas extremidades. O seu vocabulário estético, inspirado no gothic revival inglês, contrastava, de certa forma, com o programa neo-clássico do palácio que De Visme tinha feito erguer em Benfica e onde residia a maior parte do ano. Isto é natural, uma vez que em Inglaterra as duas correntes nasceram simultaneamente, em meados de Setecentos, e  não fez mais do que seguir a dicotomia do gosto da sua pátria. Este vocabulário seguia uma fórmula assaz simples, resumindo-se ao coroamento ameado de toda a estrutura e ao ogival das aberturas - razão porque Beckford referia ter sido desenhado por um carpinteiro de Plymouth. As dúvidas quanto à autoria do projecto, todavia, persistem ainda hoje, apesar de alguns historiadores o atribuírem ao arquitecto inglês William Eldsen (autor da Sala dos Reis da Abadia de Santa Maria de Alcobaça).

                                     Monserrate, ao centro, ao tempo de Gerard de Visme
O segundo projecto, o hoje existente, confirma a feição inglesa de arquitectura de paisagem que De Visme atribuíra ao edifício no final do século XVIII, Beckford confirmara e Francis Cook acentuou, acrescentando-lhe mais tarde um extenso e exótico jardim.
O terramoto de 1755 causou grandes estragos na propriedade e o seu estado agravou-se progressivamente até ao fim do século. Em 1790, e com o objectivo de «(..) arrendar utilmente a mesma Quinta, mas também promover a utilidade, conservação e augmento deste Predio (...)» (tal como revela um contrato assinado na época), D. Francisca Xavier Mariana de Faro Melo e Castro dá a arrendar a propriedade a Gerard Devisme, «(..) uni dos mais sólidos Negociantes desta Praça, caracterizado de conhecida probidade e de hum genio particular para a Agricultura (…)». Ainda de acordo com o mesmo contrato, assinado em Janeiro de 1790, Devisme «pertendia não só arrendar a dita Quinta largo tempo, por ser aquele citio o niais rempto, o mais semilhante aos Ares da sua Patria, e por isso o mais conveniente para a sua saude e para descansar das fadigas do seu Comercio: mas tambem pertendia restabelecer a mesma Quinta, augmentando os seus Pomares e dando-lhe o beneficio de que carecião, readificando a seu arbitrio as cazas da mesma Quinta, as quais pelo estrago do Terramoto (...) padecerão ruma tal que as tem feito quazi inhabitaveis. e (...) fazendo as mais officinas de que preciza huma habitação decente, fechando a dita Quinta que he toda aberta, com grave prejuizo da sua cultura, e pondo o dito Predio nos termos de ser muito mais util e importante (..)» . O arrendamento era válido por nove anos.
De Visme, cujo monopólio ficou ameaçado pelo afastamento do Marquês de Pombal e pela Viradeira de D. Maria I, alugou Monserrate a Wi!liam Beckford, em 1794, e partiu para Inglaterra, no ano seguinte, aí permanecendo enquanto durou o arrendamento, e aí morrendo. Beckford não chegou a ficar na Quinta dois anos, partiu para Inglaterra e depois voltou a Portugal, em 1798. Durante a estada de Beckford em Inglaterra (de 1795 a 1798), Monserrate foi arrendada aos três filhos de José de Oliveira, fidalgo da Casa Real. É a partir desta terceira estada em Portugal, de Outubro de 1798 a Junho de 1799, que Beckford renova o contrato de sub-locação aos herdeiros de Devisme por um período ininterrupto de nove anos, em 1807.
Depois, após a partida definitiva de Beckford, em 1799, a propriedade foi totalmente votada ao abandono: «ninguém da alta nobreza estava à altura de continuar os grandiosos sonhos do “rico” Mr. Devisme (...) e ainda menos de velar pelo bom estado do “paraíso” e de dar sequência aos “projectos de felicidade” que foram concebidos pelo mais rico dos ingleses».
De Visme morreu em 1797, em Inglaterra,  e está sepultado na Igreja de St Mary’s, em Wimbledon.

 Brazão de armas de Gerard De Visme

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Tennessee Claflin, a sufragista viscondessa de Monserrate


We hope the day will soon come when every girl will be a member of a great Union of Unmarried Women, pledged to refuse an offer of marriage from any man who is not an advocate of their emancipation. 

Tennessee Claflin


Tennessee Celeste Claflin, Lady Cook, segunda esposa de Francis Cook e Viscondessa de Monserrate, nascida em 1843, foi uma sufragista americana e uma das primeiras mulheres a abrir uma firma de correctores em Wall Street. Empenhada no movimento sufragista, foi igualmente um dos rostos pela legalização da prostituição nos Estados Unidos.
Nascida em Homer, no Ohio, filha dum estalajadeiro de reputação duvidosa, cedo teve de trabalhar como médium para auxiliar a família. Aos 22 anos conheceu o milionário Cornelius Vanderbilt, com quem terá estado para casar. Depois da morte deste, em 1877, recebeu 100 milhões de dólares por ter ajudado alguns dos herdeiros a receber a sua parte, e, rica, partiu para Inglaterra, com um pequeno exército de criados. Aí casou com um jogador, John Bortels, a quem acabou por pagar para se divorciar, e em 15 de Outubro de 1885 em segundas núpcias com Sir Francis Cook, já visconde de Monserrate. Para ele, por ter impulsionado o apoio a artistas na londrina Alexandra House, a rainha Vitória criou-lhe o título de baronete Cook, título que Tennessee igualmente usou durante os 16 anos que foi casada com Francis.
Em Fevereiro de 1870, em Nova Iorque, abriu com a irmã Victoria Woodhull a firma de correctores Woodhull, Claflin & Co, em 44 Broad Street, aventurando-se num universo de homens, o que foi uma pedrada no charco. ONew York Sun anunciou o caso com o título ‘Petticoats Among The Bovine and Ursine Animals.’, tendo ambas ganho a alcunha de The Bewitching Brokers e Queens of Finance.
A firma não vingou, e dedicaram-se a um jornal feminista e radical, o Woodhull & Claflin’s Weekly, onde temas como o aborto, as doenças sexuais ou a prostituição eram abertamente discutidas, o qual durou 6 anos, mais do que o habitual em jornais nesse tempo, tendo chegado a tirar-se 20.000 exemplares. Em 20 de Dezembro de 1871 foi nesse jornal que se imprimiu a primeira versão em inglês do  Manifesto Comunista, de Karl Marx.




Como resultado do apelo de Victoria ao Comité Judicial da Câmara dos Representantes para concessão de votos para as mulheres, junto com Susan B. Anthony e Lucretia Mott, participou na convenção sufragista, apesar da sua visão libertária sobre costumes e a sexualidade ser considerada por estas como demasiado ousada. Tennessee concorreu para o Congresso dos Estados Unidos pelo Estado de Nova Iorque, tendo igualmente defendido que as mulheres cumprissem serviço militar, e chegou a ser eleita coronel de um “colorido” regimento da Guarda Nacional. A irmã, Victoria, foi a primeira mulher a candidatar-se a Presidente dos Estados Unidos (imagem acima). Em 1871, Tennesse, ou Tennie, como gostava de ser tratada, escreveu Constitutional equality a right of woman.
                                 Caricatura de Victoria e Tennessee

O casamento com Francis Cook foi infeliz, embora nas deslocações a Portugal predominasse do casal uma visão aristocrática e filantrópica por parte dos locais. Cook morreu em 1901 e Tennie a 18 de Janeiro de 1923, com 77 anos, em casa da neta, Lady Utica Celeste Beecham, em Inglaterra, sem testamento.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Contador de Argote, erudito de Colares




Jerónimo Contador de Argote nasceu em Colares a 8 de Julho de 1676 e morreu em Lisboa a 9 de Abril de 1749 e foi um clérigo teatino e historiador, membro da Academia Real da História Portuguesa, autor de algumas obras pioneiras de gramática portuguesa e de história da igreja.



Destinado à vida eclesiástica, fez os primeiros estudos na cidade do Porto e com apenas 11 anos de idade ingressou no Convento de Nossa Senhora da Providência de Lisboa, onde estudou Teologia e Filosofia e se dedicou aos estudos escolásticos. A 22 de Janeiro de 1689 tornou-se clérigo regular da Ordem dos Teatinos (ou Ordem da Divina Providência) e terminados os estudos permaneceu naquele convento, ocupando-se no ensino da Filosofia.



Transferiu-se para o Colégio Jesuíta de São Francisco Xavier, de Lisboa, onde aprofundou os seus conhecimentos de língua latina. Contudo, problemas de saúde obrigaram-no a interromper os estudos e a transferir-se para o Minho, onde permaneceu no convento da sua ordem de Braga até 1715. Durante a sua estada em Braga dedicou-se ao estudo da história eclesiástica daquela arquidiocese, realizando pesquisas históricas que fariam dele um dos pioneiros da moderna historiografia portuguesa. Recuperado, regressou a Lisboa e retomou os estudos na Academia Portuguesa e especializou-se em História Sagrada e Profana.



Como gramático revelou-se de orientação moderna, fornecendo fontes importantes para o estudo da língua portuguesa da época e das suas formas dialectais.



Membro fundador da Academia Real da História Portuguesa, escreveu diversas obras sobre gramática latina e portuguesa e sobre história de Portugal, destacando-se a sua publicação Memórias Históricas do Arcebispado de Braga, divida em quatro volumes e dedicada ao rei D. João V de Portugal, e a obra Regras da lingua portugueza, espelho da lingua latina.



Entre outros aspectos igualmente importantes, esta não é somente a primeira gramática da língua portuguesa publicada no século XVIII, mas é a primeira gramática portuguesa a ter mais do que uma edição única em vida do autor.

No que respeita ao conteúdo, um dos aspectos mais relevantes é o facto de a obra de Argote ser a primeira gramática da língua portuguesa a incluir noções dos gramáticos de Port Royal. Argote é o primeiro gramático português que, não só inclui a ortografia, mas também apresenta uma sistematização do sistema variacional do português.

Entre os estudiosos da historiografia linguística portuguesa que se dedicaram às gramáticas portuguesas do século XVIII não parece haver dúvida de que a gramática da língua portuguesa intitulada Regras da lingua portugueza, espelho da lingua latina ou disposiçam para facilitar o ensino da lingua latina pelas regras da portugueza, publicada pelos tipógrafos lisboetas Matias Pereira da Silva e João Antunes Pedroso em 1721, é de atribuir ao clérigo teatino D. Jerónimo Contador de Argote  e não à personagem supostamente fictícia 'Padre Caetano Maldonado da Gama', a quem o rosto da primeira edição atribui a autoria. A ligação entre as duas edições que devem ser atribuídas a Argote foi, com efeito, estabelecida pelo 4.º Conde da Ericeira, D. Francisco Xavier de Menezes  fundador, com Argote da Academia Real da Historia Portugueza  que, na sua qualidade de censor régio, apresentou as seguintes declarações sobre a autoria da gramática no seu parecer de 12 de Setembro de 1724:

[...] he a segunda declarar o seu Nome o Padre D. Jeronymo Contador de Argote, Clerigo Regular, e da Academia Real, que na primeyra impressaõ se encobrio, e eu quasi reconheci pela erudiçaõ, e acerto, com que escreve [...] (Ericeira em Argote 1725).



É clara a sua ligação a Colares. Reza o assento de baptismo de D. Jerónimo Contador de Argote de 23 de Julho de 1676: Aos uinte e tres de julho de seis sentos e setenta e seis, eu o Cura siluestre Nunes franco, pus o santos ollios, nesta freguesia de nossa senhora d'asumpsaõ da uilla de collares, a Heronimo filho do doutor Luis Contador d'aragote e de sua molher Dona Maria Loba moradores nesta uilla foi baptisado em Casa por sua auo Dona francisca por uir a criansa fraca asistio aos exorsismos o Padre Manoel Curado morador nesta uilla e por uerdade fis e assinei O Cura Syluestre Nunes franco (1676, julho 23).



Um dos primeiros aspectos que se nota neste assento é que não se encontra qualquer referência à data de nascimento do gramático, sendo apenas referida a essência dos nomes dos pais e as circunstâncias do baptismo. Segundo as normas eclesiásticas, o recém-nascido deveria ter sido baptizado na igreja dentro de oito dias a seguir ao nascimento.No entanto, consta do assento paroquial que o jovem D. Jerónimo foi baptizado em primeiro lugar no âmbito de um 'baptismo de emergência' na residência da família pela sua avó paterna D. Francisca de Robles. O funcionamento deste 'baptismo de emergência', que no presente caso adquire o seu carácter excepcional por o baptista ter sido a avó e não um religioso ou qualquer outro elemento masculino da família, é esclarecido no “ Do sacramento do Baptismo da Constituiçam. iiij. Em que modo & dond e se ha de ministrar o baptismo“:  E outro si defendemos que nenhum sacerdote baptize a creatura em casa de algũa pessoa, se nam na pia baptismal da igreja parrochial donde ho pay ou may forem fregueses, & fazendo ho contrairo poemos em sua pessoa sentença de excomunham, & seja presso, & jaça no aljube hum mes, & nam seja solto até pagar primeyro dous mil reaes, a metade pera o meirinho, & a outra metade pera a fabrica dessa igreja, saluo estando a criatura em tal necessidade, que sem manifesto perigo de sua vida, nam possa ser leuada á igreja, porque entam qualquer pessoa, posto que seja ho pay ou may, hereje, pagam ou excomungado, poderam baptizar há creatura onde quer que estiuer, com tanto que se hi na casa ouuer clerigo, nam ha baptize leigo, & se ouuer homem, ha nam baptize molher, & se nam ouuer senam o pay ou may, em tal necessidade ha pode baptizar sem impedimento de compadradego, & auendo fiel, a nam baptize infiel. E cessando o dito perigo da hi atè oito dias será a dita creatura leuada aa dita igreja parochial honde se o sacerdote enformara do medo que se teue no dito baptismo. E se achar que tudo se fez d iuinamente, lhe poera ho oleo, & a crisma, & fara os exorcismos acostumados.



Para que D. Jerónimo Contador de Argote fosse baptizado em conformidade com as normas eclesiásticas vigentes na época, era, portanto, suficiente que a avó fosse baptizada para que ela pudesse ministrar o baptismo, uma vez que a preferência de homens em vez das mulheres não parece constituir nenhuma regra impeditiva. Ainda em conformidade com o direito eclesiástico, o baptismo foi repetido, presumivelmente alguns dias depois, no âmbito de um baptismo dentro da igreja paroquial, com todos os cerimoniais requeridos para o efeito.



O testemunho do biógrafo teatino, D. Tomás Caetano de Bem fornece mais alguns detalhes não referidos pelo registo paroquial:

Nasceo no anno de 1676. a 8. de Julho na Villa de Collares. Foi filho de Luiz Contador de Argote, Desembargador da Casa da Supplicação, e de sua mulher D. Maria Josefa Lobo da Gama Maldonado; ambos descendentes de familias muito nobres, e qualificadas. Logo que nasceo foi baptizado por sua avó paterna D. Francisca de Robles. Quando lhe forão impostos os Santos Oleos, foi seu padrinho D. Alonso de Alcala Herrera, irmão da dita sua avo paterna; em cuja casa, e companhia se creou o Padre D. Jeronymo Contador até a idade de sete na nos, na mesma Villa de Collares, juntamente com huma sua irmã, quasi da mesma idade.



Baseado obviamente em fontes diferentes, o biógrafo constata que Argote terá nascido em 8 de Julho de 1676, sendo esta a data que entrou na tradição biográfica. Quanto aos pais, fornece informações algo mais completas. Assim, consta que o pai terá sido o jurista e Desembargador da Casa da Suplicação D. Luís Contador de Argote, sendo a mãe identificada como D. Maria Josefa Lobo da Gama Maldonado. Conforme reza a respectiva entrada no livro de óbitos de Colares, a mãe do gramático (identificada somente como D. Maria Josefa Loba faleceu quando este tinha pouco mais de dois anos de idade: "Aos desanoue de Nouembro de seis sentos e setenta e oito ueio a enterrar a esta jgreja da nossa senhora d'asumpsaõ de collares, a sepultura de dona maria hereira e Robles Dona maria Josepha Loba, molher do Corregedor do siuel da Cidade de Lisboa o Doutor Luis contador de aragote administrador da capella da dita sua tia Dona maria hereira e por uerdade fis e asinei & O Cura Syluestre Nunes franco (1678, novembro 19)".



D. Maria Josefa Lobo da Gama Maldonado foi sepultada na capela da tia do marido, D. Maria Herreira e Robles (ou seja, D. María Herrera y Robles) que na altura da sua morte era administrada pelo seu próprio marido.



A investigação genealógica leva à constatação de que tanto do lado masculino como do lado feminino, a família de D. Jerónimo Contador de Argote provém da nobreza espanhola, tendo a árvore genealógica sido enriquecida por vários elementos de famílias nobres portuguesas. Assim, antes de vir para Portugal, o bisavô D. Luís Contador foi um dos fidalgos espanhóis ao serviço do mais tarde imperador alemão Maximiliano II (1527-1576, regeu desde 1564) quando este desempenhou o papel de governador de Espanha em representação do tio Carlos V no período entre 1548 e 1551.



Contador de Argote  faleceu em Lisboa, no Convento dos Caetanos, em 1749.

Fernando Morais Gomes

Flora rara no litoral de Sintra

Sabe o que é um omphalodes kuzinskyanae?
O  Omphalodes kuzinskyanae ou miosótis-das-praias é uma espécie botânica da família Boraginaceae, típica de arribas costeiras, endémica de Portugal cuja população está restrita às regiões costeiras do Parque Natural de Sintra-Cascais mais especificamente entre São Pedro do Estoril até às proximidades da Ericeira
O Instituto de Conservação da Natureza, depois de os núcleos desta espécie terem sido caracterizados e mapados, tem desenvolvido medidas de conservação, que passam pelo acesso condicionado com sinalização de caminhos pedestres, reforço das populações, recolha de sementes e plantação em viveiro.
A planta, devido ao seu estatuto de conservação, é alvo do Plano Nacional de Conservação de Flora em Perigo. O estatuto proposto para o Livro Vermelho das Plantas de Portugal, na altura em preparação era Espécie em Perigo Crítico de Extinção. Trata-se de uma espécie prioritária em termos de conservação de acordo com a legislação comunitária, estando incluída nos Anexos I e IV da Directiva Habitats (92/43/CEE) e no Anexo I da Convenção de Berna.
O Omphalodes kuzinskyanae é uma espécie inofensiva, de vida curta -um ano-, herbácea (raras vezes se alça acima de um palmo de altura). O seu nome científico, escrito num latim nada clássico, assustador à primeira audição, encerra alguma poesia. (Recordem-se que os nomes científicos são binomiais: a primeira palavra -nome genérico- designa o género, a segunda -epíteto específico- designa a espécie propriamente dita.) Omphalodes significa, em latim derivado do grego, umbigo. O botânico que primeiro descreveu o género para a ciência (Miller, durante o século XVIII), quis ver no formato invulgar do fruto a forma (sensual?) de um umbigo. Insólita ou não, o facto é que a designação foi aceite e perpetuada nas poucas dezenas de espécies do género Omphalodes que existem (das quais apenas três ocorrem em Portugal). Kuzinskyanae, palavra capaz de deslocar irremediavelmente o maxilar a qualquer disléxico, é uma derivação de Kuzinsky, apelido de um botânico polaco que visitou o nosso país em companhia de Willkomm, o naturalista alemão que descobriu esta espécie em 1889. Este último nomeou a espécie em homenagem ao seu amigo e colega científico.
O Omphalodes kuzinskyanae (que ainda não recebeu nome vernáculo português) é uma espécie rara, quer no número de indivíduos, quer na distribuição geográfica, como também nos habitats onde vive. É muito provável que venha a extinguir-se. Ocorre apenas nalgumas localidades litorais da Galiza e, em Portugal, somente numa faixa que se estende da Praia do Abano ao Cabo da Roca; ainda assim, observa-se em pouquíssimos aglomerados, cada qual com poucas dezenas de indivíduos. (Presume-se que em tempos passados, numa das épocas cíclicas de arrefecimento climático, haja ocupado toda a faixa litoral desde a estremadura portuguesa até ao noroeste ibérico.) Habita em cascalhos, rochedos e areias litorais onde haja uma acumulação (ainda que ínfima) de detritos ricos em nitratos. Esta última característica (a de preferir meios ricos em nitratos, ditos ruderalizados) é comum a toda a família das boragináceas em que se filia. Infelizmente para a causa ambientalista, o O. kuzinskyanae não é uma planta carismática, nem portentosa, nem sequer bizarra ao olhar. Há quem chegue a julgá-la feia. Mas quem conhece a sua condição, acha-a bonita porque a sabe rara: tem a beleza trágica de uma despedida. Quem a não conhece, nem é capaz de compreender que o belo é algo mais que as formas que iluminam a retina, não se há-de preocupar com a sua extinção.
Vários acordos internacionais para conservação da biodiversidade, assinados por Portugal, conferem-lhe o máximo estatuto de protecção: a Convenção de Berna, a Directiva Comunitária para a Conservação dos Habitats e da Diversidade Biológica, etc.
Quando forem ao Cabo da Roca, tentem identificá-la, e lembrem-se, é rara e em riscos de extinção.