domingo, 27 de janeiro de 2013

Evocando M.S.Lourenço

Dia 5 de Julho de 2011 foi inaugurada uma placa comemorativa na fachada da casa onde viveu M.S.Lourenço, na Vila Velha, em Sintra (a poucos metros da Sociedade União Sintrense). A Câmara  e o Centro Nacional de Cultura associaram-se, e a Alagamares, representada pelo seu presidente, já em reunião em Junho de 2010 com o presidente do CNC sugeriu o descerramento de tal peça evocativa, tendo este então diligenciado a sua concretização junto da CMS, o que então ocorreu.
Integrado na programação dos habituais Passeios de Domingo, o Centro Nacional de Cultura, com a participação da Alagamares,efectuou dia 30 de Maio de 2010  um passeio/homenagem ao escritor sintrense M.S.Lourenço, falecido em 2009, em Sintra.
Esta homenagem ,que teve a  a participação de família e amigos do autor,foi conduzida pela escritora Helena Langrouva e pelo Prof. Guilherme d’Oliveira Martins, Presidente do CNC, e percorreu alguns dos lugares emblemáticos da sua vida e seus preferidos na vila de Sintra."Um aristocrata do espírito", como lhe chamou Guilherme d'Oliveira Martins,um efabulador de realidades heterodoxa,ou o poeta que é, no dizer de Liberto Cruz.
          Helena Langrouva e Oliveira Martins falam de M.S.Lourenço
Sobre ele, escreveu para o nosso sítio a escritora Helena Langrouva o seguinte texto, por ocasião da sua morte:
"Manuel António dos Santos Lourenço, que assinava com o nome literário M.S.Lourenço, nasceu em 13 de Maio de 1936, na Vila Velha de Sintra, onde viveu toda a vida, excepto quando teve missões a cumprir no estrangeiro, até à sua morte, em 1 de Agosto de 2009.
 
        Casa em Sintra, junto à Igreja de S.Martinho, onde nasceu em 1936
Era filho de Manuel António Lourenço e de Maria Alice dos Santos Lourenço. Foi encarregado da Biblioteca Municipal de Sintra (nas instalações do antigo Casino), nos anos cinquenta. Desde muito jovem, era apaixonado por Filosofia, Literatura, Ciência, Artes, em especial a Música. Licenciado em Filosofia pela Universidade de Lisboa (1965), foi professor do ensino secundário privado (Colégio da Cidadela, Cascais), bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian em Oxford (1965-68), Leitor de Português (1968-1971) nas Universidades de Oxford e de Santa Barbara (Califórnia, E.U.A.), tendo ainda ensinado nas Universidades de Bloomington (Indiana, E.U.A.), e de Innsbruck (Aústria). Era pós-graduado (M.A. - Oxford) e Doutorado (Lisboa) em Filosofia Analítica, tendo-se fixado como professor de Lógica e Filosofia da Matemática, no Departamento de Filosofia da Faculdade de Letras de Lisboa. Dedicou a sua vida à Poesia, à Tradução, ao Ensaio, à Filosofia e ao Ensino. Foi sempre apaixonado por Sintra onde vivia, passeava discretamente, escrevia e meditava a sua obra.
Como filósofo, além de professor de Filosofia, M.S. Lourenço foi Presidente da Sociedade Portuguesa de Filosofia (1999-2004) e director da revista de filosofia Disputatio. Publicou, em livro: A Espontaneidade da Razão; A analítica conceptual da refutação do empirismo na Filosofia de Wittgenstein (Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1986, a partir da tese de doutoramento ); Teoria Clássica da Dedução (Assírio e Alvim, 1991). O livro A Cultura da Subtileza; Aspectos da Filosofia Analítica (Gradiva, 1995, editado por Desidério Murcho), resultou de diálogos, no programa Rádio Cultura, da RDP2, com filósofos, homens da cultura e críticos de arte portugueses (entre os quais, João Bénard da Costa, Sidónio Freitas Branco Paes e João Paes ), sobre Diálogo, Lógica e Metafísica, Estética e Filosofia da Arte. De 2003 a 2008 publicou, com a colaboração de alunos, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa – Departamento de Filosofia e Centro de Filosofia - as aulas de Mestrado em Filosofia Analítica, com os títulos Estruturas Lógicas de Primeira Ordem (2003); Os elementos do programa de Hilbert (2004);Acordar para a Lógica Matemática (2006 – tendo continuado, online, até 2009). Mais recentemente ,publicou, sob o pseudónimo Gribskoff, Fundamentos da Matemática - treze artigos escritos em inglês -, na enciclopédia online de matemática PlaneMath (2008-2009).


Como tradutor de filósofos, escolheu autores de obras marcantes para o estudo da Lógica e da Filosofia Analítica, além da sua tradução do teólogo e filósofo Romano Guardini, O Fim dos tempos modernos ( Moraes, 1964). Traduziu William Kneale e Martha Kneale, O Desenvolvimento da Lógica (Fundação Calouste Gulbenkian, 1972, 3ª edição, 1991, 773 pp. Esgotado), Kurt Gödel, O Teorema de Gödel e a hipótese do contínuo (Fundação Calouste Gulbenkian, 1977, 2ª edição 2009, 943 pp.) e Wittgenstein, Tratado Lógico-Filosófico* Investigações Filosóficas(Fundação Calouste Gulbenkian, 1987, 4ª edição 2008, 611pp.)


Pertenceu à chamada geração de O Tempo e o Modo, com António Alçada Baptista, João Bénard da Costa – que também viveu discretamente em Sintra durante mais de cinquenta anos, Alberto Vaz da Silva, Pedro Tamen, Nuno Bragança, entre os principais. Esteve próximo de todos até ao fim, em especial de João Bénard da Costa (falecido em 21 de Maio de 2009). Em O Tempo e o Modo, revista de pensamento e acção, publicou poemas, ensaios, a tradução de uma parte de Finnegans Wake de James Joyce, I, 3 (nº 57/58, pp. 243-24,Lisboa, 1968). O então jovem escritor Almeida Faria publicou, a este propósito, um artigo sobre a tradução de Finnegans Wake em português (revista Colóquio-Letras, nº 23, Janeiro de 1975, pp. 27-31).Ainda em O Tempo e o Modo publicou a tradução de três breves contos de Samuel Beckett, Imaginação morta imaginando (nºs 71/72, Maio-Junho de 1969), recentemente editados pela revista Ficções (nº 15, Maio, 2006).
          Casa a caminho de S.Pedro onde viveu  e onde será descerrada a placa


Como poeta, publicou em livro, antes de partir para a guerra colonial (1961), na editora Moraes, fundada por António Alçada Baptista, O Desequilibrista (1960), obra de estreia, Fora de Colecção. Seguiram-se, na mesma editora, as duas pequenas colectâneas de histórias - O Doge (1963, assinado sob o pseudónimo Arquiduque Alexis-Christian von Rätselhaft und Gribskov – Tradução de M.S. Lourenço -, reeditado, sob o pseudónimo Alexis Von Gribskoff, Fenda, Lisboa, 1998), Ode a Upsala ou Ária detta la Frescobalda (1964), Depois de ter vivido em Oxford, criou uma nova orientação estética e técnica da escrita poética em Arte Combinatória (1971) e Wytham Abbey (1974). Defendeu o labor e o aperfeiçoamento da musicalidade do verso, da arquitectura musical do poema, a procura da capacidade visionária, através da expressão poética, em particular no livro Wytham Abbey.


A obra poético-literária de M.S. Lourenço demarca um lugar difícil de se definir na literatura portuguesa, pela surpreendente aglutinação e desequilíbrio do real, do quotidiano e do surreal, o nonsense, o humor, o permanente filtro da angústia, a crítica, a encenação e a máscara da própria obra, a irreverência, a liberdade, a interrogação, o enigma, os mitos, o mistério, a procura para-mística ou mística, a certeza da morte, a reflexão filosófica, teológica, metafísica, escatológica, a fantasia, o sonho, a constante criação, recriação e aperfeiçoamento de linguagens, inúmeras alusões culturais, palavras em várias línguas, convergindo na meditação da própria língua portuguesa.


Em Pássaro Paradípsico (Perspectivas e Realidades, Lisboa, 1979) - com ilustrações de Mário Cesariny – cada verso é uma palavra e cada poema construído à maneira de uma composição musical. Em Nada Brahma (Assírio e Alvim, 1991), obra escrita em verso e integrando um texto dramático – retomando o caminho traçado por O Desequilibrista -, procura realizar o ideal da poesia como arte musical, decantando ao extremo a procura do essencial dos seus universos, na poesia que é, na poesia que a si própria se pensa, lembrando o princípio aristotélico do “pensamento que a si próprio se pensa”. A poesia ainda expressão e voz do silêncio, a poesia como som – Nada, em sânscrito – do Todo, Deus – Brahma, em sânscrito, deixando perpassar, em particular neste livro, e dispersamente noutros livros, a presença discreta de Sintra.


Apesar de algumas afinidades com o classicismo num sentido lato, o surrealismo, o pós-simbolismo e o neo-construtivismo, a poética de M.S. Lourenço seguiu um caminho individual, solitário, perseverando na procura, a um tempo, de liberdade, contenção e abertura no pensamento e na palavra.


Os ensaios que publicou na revista Colóquio-Letras e as crónicas que publicou no semanário O Independente estão reunidos no livro Os Degraus do Parnaso (Assírio e Alvim, 1991, 2ª edição integral, 2002) -, distinguido com o prémio Dom Dinis, da Fundação Casa de Mateus, em 1991. Nesta obra de referência para o ensaio, a cultura e a literatura portuguesa do século XX, pela pertinência e variedade dos temas abordados, a meditação sobre a vida, a filosofia e a arte, a literatura, as interrogações, a actualidade e a crítica, vigora a procura de reformulação narrativa do mesmo ideal da escrita como arte musical.


Pássaro Paradípsico, os livros de filosofia e as traduções de livros filosóficos estão assinados por Manuel Lourenço.


Manuel António dos Santos Lourenço foi galardoado com a Grã Cruz da Ordem de Santiago de Espada,(foto) e a Cruz de Honra de I Classe da República da Aústria.
Foi homenageado, na sua presença, em 2006 e 2007. Em 2006 ,ano da jubilação como professor catedrático na Faculdade de Letras de Lisboa ,com Maria de Lurdes Ferraz, no âmbito da cadeira de Teoria da Literatura, tendo, na sessão de homenagem argumentado sobre a necessidade de um curso de Lógica para o estudo da Teoria da Literatura. Em Maio de 2007, no Palácio Valenças, em Sintra, no III Encontro de História de Sintra, numa conferência de Liberto Cruz, poeta e crítico literário sintrense da mesma geração (Sintra, 1935) – sobre a sua obra poética, intitulada “M.S. Lourenço, o Desequilibrista definitivo”, e numa exposição bibliográfica da sua obra poético-literária, conjunta com a de Liberto Cruz, por nós organizada .


Numa longa entrevista de Miguel Tamen, publicada em A.M. Feijó & Miguel Tamen (eds.) A Teoria do Programa. Uma homenagem a Maria de Lourdes Ferraz e M.S. Lourenço. Lisboa: Programa em Teoria da Literatura. 2007. Pp 313-364 – M. S. Lourenço esclarece aspectos cruciais do seu itinerário intelectual, não omitindo a inexistência do seu gosto pela discussão pública, o facto de a sua obra ser praticamente desconhecida do público. A Autobiografia, ainda inédita, anunciada por Liberto Cruz, na conferência acima referida – publicada online, http://www.alagamares.net/documentos permitirá novas achegas para a compreensão da sua vida e obra.


M. S. Lourenço deixou no prelo a Obra Completa poético-literária, que foi lançada no dia 28 de Outubro, de 2009 na Faculdade de Letras de Lisboa e em cujo título - O Caminho dos Pisões, Assírio e Alvim, 2009, 687 páginas - faz convergir o caminho pessoal como escritor – remetendo para o título da Carta Aos Pisões ou Arte Poética do poeta latino Horácio - e a presença de Sintra – Caminho dos Pisões é o nome antigo de um caminho da Vila Velha de Sintra onde M. S. Lourenço passeava e meditava, na sua juventude - entre a Vila Velha e a Regaleira. Esta obra, como outras, é dedicada aos seus pais. Obra rara de um autor sintrense e internacional, na complexidade e profundidade dos seus mundos, escrita com notável mestria da língua portuguesa, uma presença diferente, a investigar, no panorama da literatura, filosofia, ensino da filosofia, da cultura em língua portuguesa.


Ouvimos alguns dos seus textos poético-literários de Manuel Lourenço que ele nos ditava, para os escrevermos à mão, na sala da casa de seus pais, na Vila Velha (finais dos anos 50 e início dos anos 60), ouvimos comentários em que nos tentava explicar poemas da sua própria obra (finais dos anos 50, anos 60 e 70), até decidir remeter-se ao silêncio. Continuámos a ler e a meditar a obra, em silêncio. Esperamos que venha a ser conhecida das gerações actuais e vindouras.


Sempre foi nosso intento fazer homenagens em vida. Liberto Cruz, com a sua comunicação e nós com a exposição bibliográfica, em 2007, homenageámos em vida o nosso conterrâneo Manuel Lourenço, visivelmente satisfeito, no Palácio Valenças. Não sabíamos que era a última vez que o veríamos. Que Sintra saiba preservar a sua memória."
Neste roteiro usaram ainda da palavra para sentidas e coloridas intervenções a sua amiga Ana Maria Benard da Costa e sua filha Catarina Lourenço, que nos levou à casa onde viveu, tendo igualmente sido recordado o momento em 2007, no III Encontro de História de Sintra,organizado pela Alagamares, em que Liberto Cruz, outro escritor sintrense insigne fez uma comunicação sobre a sua obra, e a que o próprio M.S.Lourenço, incógnito na assistência, assistiu....A História testemunha a Vida.Morto o Artista, nasceu a Imortalidade.O seu espólio seguiu já para a Biblioteca Nacional.Mas outros gestos significantes faltam levar a cabo com algum significado:que podem começar pelo  gesto simples da Câmara de Sintra mandar colocar uma lápide no local onde viveu, nesse caminho dos Pisões onde as várias personalidades que vestiu deambularam numa solidão organizada, dum desiquilibrista compulsivo.Entre outras coisas.

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