Realizou-se
no dia 20, no Legendary Café, em Sintra, uma tertúlia literária
promovida pela Alagamares, com a presença da escritora Maria Teresa
Horta, apresentada pelos escritores e ensaístas Miguel Real, António José Borges e Vítor Oliveira Mateus. Sendo a mesma por estes dias referenciada sobretudo pelo seu premiado As luzes de Leonor,
ou por ter recusado receber do primeiro-ministro o Prémio D.Diniz 2011
da Casa de Mateus (que ainda não recebeu, aliás, como seria de Direito,
numa altura em que, ironicamente, o prémio foi já extinto…) durante a sessão se falou da sua obra e relembraram os 40 anos da publicação das Novas Cartas Portuguesas, intemporal obra a três mãos sobre a mulher e a sua circunstância, e de que Maria Teresa Horta foi uma das autoras malditas.
Tendo como fio condutor as “Cartas Portuguesas”,
romance publicado em 1669, e no qual Mariana Alcoforado, uma freira
enclausurada num convento em Beja, remete ao cavaleiro de Chamilly cinco
cartas inflamadas recordando a paixão por ele, e com ele experimentada,
as autoras, lançando uma pedrada no charco dum Portugal cadaveroso, de
mulheres-objecto e mulheres-sofrimento, escreveram um fresco tendo por
centro mulheres, mães e amantes, sofredoras e lascivas, prisioneiras de
maridos ou escravas dos altares.
Considerado um manifesto contra a discriminação, e pelo direito à diferença entre homens e mulheres, as Novas Cartas Portuguesas, de
Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa,
escandalizaram, revelando ao mundo a existência de situações
discriminatórias em Portugal, relacionadas com a repressão da ditadura, o
poder machista em vários patamares da vida social, e a condição da
mulher, levando-as a ficarem nacional e internacionalmente conhecidas
como “as três Marias”. Após a publicação, a obra foi proibida pela
censura, e aberto um processo contra as autoras, que foram absolvidas
apenas depois do 25 de Abril. Durante a sessão, Teresa Horta falou das
perseguições, e até de um espancamento de que foi nessa altura alvo, e a quem tentaram colar a imagem de mulher de vida fácil, para assim melhor a condicionar, e ao seu trabalho.
As Três Marias, ao centro, Maria Teresa Horta
As Três Marias, ao centro, Maria Teresa Horta
Composto de fragmentos, o que expressava a própria condição da mulher portuguesa, não duma
Mulher, mas de Mulheres, essa obra transmitiu a mensagem de que estas
têm voz, sabem e podem falar. E, se os tempos hoje são outros, a
subsistência de situações como a violência doméstica, a prostituição, ou
o ainda precário papel da mulher no mundo do trabalho, sobretudo o
menos alfabetizado, não devem deixar de continuar a preocupar uma
sociedade de muitas Marias ainda. Esse foi também o tempo em que se
afirmou uma Teresa Horta poeta, onde o conceito de corpo passou a estar
omnipresente, fosse pela ideia de corpo físico, fosse por nesse corpo
estar também subjacente uma referência ao “corpo” social ou ao “corpo”
do poema, numa linguagem erotizada, nunca vernácula ou pornográfica, antes e sobretudo na senda da beleza materializada em poema.
Premiada com o seu recente As luzes de Leonor,
que levou treze anos a escrever, a autora revela-se nessa obra como uma
tecedeira da linguagem, dominando a trama e ao mesmo tempo deixando-se
dominar por ela, Penélope angustiada que por fim reencontra o seu
Ulisses, e em boa hora o faz, presenteando-nos com uma obra de fôlego e
um jogo de espelhos do mais estimulante que a literatura portuguesa
produziu recentemente, uma prosa luminosa e iluminada, partilhando com
os presentes os receios e fantasmas desses treze anos de “tecelagem”, e
confessando mesmo uma certa orfandade por finalmente a obra ter sido
editada, obra duma mulher sobre mulheres, intemporais na patrulha de
consciências e em holográfico diálogo com a autora, umas vezes dominando-a, mas sendo por si dominada noutras.
Tendo
como figura central a figura da Marquesa de Alorna, Leonor de Almeida
Portugal, neta dos Marqueses de Távora, Maria Teresa Horta persegue-a ao
longo do romance, ao mesmo tempo que, como escreveu Miguel Real no
Jornal de Letras, produz «[…] sem dúvida um dos maiores romances
biográficos da literatura portuguesa e, também sem dúvida, uma narrativa
que marcará doravante os estudos sobre o Iluminismo Português e as
origens do Romantismo oitocentista em Portugal, para além de marcar
profundamente os estudos sobre a marquesa de Alorna […]
Tempo houve ainda para com os presentes partilhar palpitações e inseguranças com os dias que passam, de
liberdade que, se existe, passou a ser condicionada, por receio dessa
arma ameaçadora de qualquer sociedade: o Medo. Medo que chegou na avara e
cautelosa contenção da palavra, para não fazer perigar o emprego
periclitante, ou pela preocupante escuta telefónica soez, ou com o
pouco inocente vírus informático. Pegando nas palavras de Rui Zink, o
anterior convidado desta série de tertúlias, a sociedade portuguesa vive
hoje na paranóia de esperar que alguém bata à porta e perguntado quem é, esse alguém responda: ”é para vir instalar o medo…”.
Se como escreveu Simone de Beauvoir, as mulheres não nasceram mulheres, foi a vida quem as foi tornando mulheres, nelas reside força na aparência da fraqueza, e delas vem a Vida-Luz,
sinal também de que, como também enfatizou Aragon, de manhã ou à noite,
em torno da Mulher tudo, afinal, se movimenta. E, no caso de Teresa
Horta, por estes dias, com a revelação de uma nova luminosidade, a redentora luz de Leonor, que aos presentes na tertúlia redentoramente iluminou e inspirou.
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