Em
Sintra, a 5 de Outubro de 1910, o directório do Partido Republicano
Português designou Tomé de Barros Queiróz, figura já de destaque na
época e ligado a Sintra, onde tinha um chalet, para proceder à proclamação.
Barros
Queiróz havia chegado a Sintra em meados de Setembro, vindo de férias
nas termas, e aqui recebe a notícia a 4 de Outubro da morte, assassinado
por um doente mental, de um dos chefes da revolta, o Dr Miguel
Bombarda. Confirmado o sucesso do movimento militar, Barros Queiróz é
convidado pelo PRP para proclamar a República em nome da Junta
Revolucionária, tendo sido designados para o acompanhar nesse momento
histórico o jornalista João Chagas , bem como José Barbosa e Malva do
Vale.
Foi
assim que um grupo de apoiantes do novo regime se concentrou junto com
Barros Queiróz num local onde hoje fica a Praça Afonso V, para esperar
os outros enviados do PRP. Alguns deles, armados, inclusive já desde
alguns dias guardavam residências de políticos e figuras destacadas do
regime monárquico, entre as quais a de João Franco, que veraneava em
Sintra com a família real, e que tinha sido um dos protagonistas do
odiado governo que em 1908 custou a vida ao rei D.Carlos,e que agora,
paradoxalmente, era protegido na sua pessoa e bens pelos
revolucionários, para evitar pilhagens e actos de vandalismo. Entre os
que protegeram João Franco em Sintra contava-se o filho de Barros
Queirós, Daniel, com 19 anos na altura, sendo que João Franco, apesar do
reviralho que se advinhava, mandou servir comida e café aqueles que se
preparavam para alterar o regime que ele servira.
Estavam
os populares reunidos quando chega um dos poucos carros que havia
naquele tempo,ostentando uma bandeira verde rubra, ao que os populares
responderam com vivas à República.Nessa viatura vinha uma eufórica
senhora de apelido Quaresma Val do Rio Barreto.
Passado
um tempo, uma outra viatura, aberta, transportava duas figuras vestidas
de escuro . Eram a rainha D.Amélia e uma camarista, que vindas da
Pena, se dirigiam a Mafra a juntar-se ao deposto rei D.Manuel, de onde
partiriam posteriormente em direcção a Inglaterra. Barros Queiróz,
reconhecendo a rainha, tirou o seu chapéu, e silenciando os vivas à
República, saudou com cortesia a real figura, no que foi acompanhado
pelos demais. Revoluções à portuguesa, dirão alguns…
Finalmente
chegou o grupo vindo de Lisboa, e todos se dirigiram à varanda dos
Paços do Concelho(os actuais,que haviam sido inaugurados um ano antes,
em 1909, e proclamaram solenemente a República Portuguesa, tendo na
altura sido anunciados Formigal de Morais como presidente da Câmara
Municipal de Sintra e Gregório Casimiro Ribeiro como administrador do
concelho. Todo o dia foi de festa em Sintra, tendo uma banda de música
percorrido a vila em clima de euforia júbilo.
O PERÍODO REPUBLICANO
Em 24 de Junho de 1911, após a aprovação da nova Constituição, o jornal sintrense O Concelho de Sintra escrevia:
Foi
uma verdadeira data patriótica em Sintra,como em todo o Portugal, o dia
19 do corrente,em que os constituintes aclamaram por unanimidade de
votos a República Portuguesa(…)Os operários abandonaram os trabalhos, os
trabalhadores dos campos paralisaram as suas lides(…)Em todo o concelho
se queimaram foguetes e se levantaram vivas à Pátria e à República.
O
período da I República em Sintra seguiu as passadas do resto do país.
Foram 16 anos marcados pelo domínio do Partido Democrático - PRP- aqui e
ali desafiados pela conservadora Lista Regional, nas freguesias rurais,
que chegou a ganhar as eleições em 1922.
O
primeiro presidente da Câmara depois de 5 de Outubro foi Fernando
Formigal de Morais, filho do fundador da Escola do Morais, e era afecto
ao Partido Democrático.
Fernando Formigal de Morais
Em
1912 foi fundado um Centro Republicano em S.Pedro, com o nome de Hígino
de Sousa, acto a que assistiu o governador civil de Lisboa, Eusébio
Leão.
Nas
eleições de 1913 o centro mais afecto ao Partido Democrático era
Colares, e à Lista Regional, Montelavar, onde se concentravam os
industriais mais conservadores.
Em 1913 registou-se uma tentativa de assassínio de Afonso Costa na Praia das Maçãs
Afonso
Costa, figura proeminente da I República, várias vezes ministro,
deputado e presidente do Ministério e um dos políticos mais em evidência
na primeira metade do século XX em Portugal, dirigente do Partido
Democrático, foi um dos ilustres veraneantes da Praia das Maçãs nessa
época dos hóteis de charme. Gerador de paixões e ódios, muitos eram os
inimigos de Afonso Costa.De tal modo que, estando o mesmo a 23 de
Setembro de 1913 "a banhos" nesta praia,no desaparecido Hotel Royal,
para ali se dirigiram vários opositores com o firme propósito de o
assassinarem. O facto chegou atempadamente ao conhecimento de
republicanos de Sintra que, organizando grupos de defesa passaram a
exercer apertada vigilância junto ao hotel, mandando parar os carros que
para a praia de dirigiam e revistando e identificando todas as pessoas.
Soube-se mais tarde que teria estado marcado para o dia 23 de Setembro o
golpe de misericórdia, embarcando os assassinos em separado em diversas
estações do comboio com destino a Sintra. Avistados pela defesa civil
na Praia das Maçãs, não lograram levar avante o intento, e voltaram para
Sintra, onde, surpreendidos na estação, três deles foram presos pelas
onze da noite desse dia,e um, Miguel Costa Goião, chegou mesmo a
oferecer resistência armada. Ele e um Jaime Augusto, alfaiate do
depósito de fardamentos, bem como um tal Alberto Correia, foram detidos e
presentes no posto policial de Sintra, tendo-lhes aí sido apreendidas
várias pistolas automáticas e punhais..Consta que o Gaião terá dito:"não foi desta,será doutra"
Vários jornais foram tomando partido pelas varias facções republicanas, tendo em 1919 surgido A Voz de Sintra, afecto ao Partido Evolucionista, de António José de Almeida, e dirigido por António Cunha.
António Cunha
Em 1921 apareceu O Regional, dirigido por Gregório Casimiro Ribeiro, e dirigido em 1923 pelo filho de Tomé de Barros Queiróz, Amílcar Barros Queiróz
Até
1919 o PRP foi dominante, sendo as suas figuras de maior relevo José
Bento Costa, José Simões e Torcato Pardal Monteiro, entre outros,
destacando-se na Lista Regional Virgílio Horta,maçon e pró-monárquico. e José Antunes dos Santos, conhecido capitalista que praticava a "compra" de votos em S.João das Lampas.
Virgílio Horta
Em
1923 numa reunião do Centro Republicano de Sintra(que funcionou no nº2
da R. das Padarias, na Vila) foi decidido fundar um órgão afecto ao
Partido republicano(PRP) chamado O Despertar e dirigido pelo industrial das Lameiras António Duarte da Silva e Sousa, que chegou a ser presidente da Câmara antes do 28 de Maio.Desse jornal registamos a notícia do dia 7 Outubro que menciona que por ocasião do 5 de Outubro desse ano, a
junta de freguesia contemplou 137 pobres com 2$50 cada, e a Guarda
Nacional Republicana contribuiu com 50$00 para a sopa dos pobres.
Ainda em 1923 foram presos vários republicanos, por revanche
pela morte de Sidónio Pais, como Nunes da Silva,Júlio Amaro dos Santos,
dono da Piriquita, o industrial Henrique de Castro, e outros, e
barbaramente espancados, chegando a estar 90 presos num espaço onde
apenas cabiam 30.Contudo,pouco tempo depois, vindo a Sintra uma
camioneta com marinheiros para por vingança levarem presos os
sidonistas, os republicanos convenceram-nos a não fazer prisões e com a
banda da Sociedade União Sintrense à frente a tocar A Portuguesa organizaram uma manifestação que percorreu a Vila, Estefânea e S.Pedro.
Em
1925 estavam inscritos 2943 eleitores, dos quais 608 em Belas, 355 em
Colares e 364 em S.Martinho, tendo sido presidente do Senado(hoje
Assembleia Municipal) o candidato da Lista Esquerdista Ribeiro de
Carvalho.
Depois
do 28 de Maio muitas destas vozes foram silenciadas, tendo os afectos à
Lista Regional transitado em grande parte para a União Nacional. Mas a
partir daí as eleições deixaram de ser democráticas e o poder local
esmoreceu. Relevo nesse período de 1910-26 para a actividade da loja
maçónica Luz do Sol, de que era venerável o "médico dos pobres",Gregório
de Almeida, e a que pertenceram Virgílio Horta e José Alfredo Costa
Azevedo.
De entre os republicanos destacaríamos alguns:
Gregório de Almeida, médico, venerável da loja maçónica Luz do Sol, que funcionou muitos anos no nº40 da R.Alfredo Costa,
em Sintra, por muitos chamado de pai dos pobres,e que hoje tem um busto
na Volta do Duche em frente ao Parque da Liberdade
Joaquim Nunes Claro,
médico, tal como Gregório de Almeida, muito amigo de quem precisava,
poeta autor de um livro “Cinza das Horas”, hoje caído em esquecimento
Jerónimo Inácio Cintra,
comerciante, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Sintra, promoveu
a construção do chafariz da Volta do Duche(anterior ao actual, pois foi
demolido em 1960),violentamente perseguido após a morte de Sidónio Pais
pelas suas convicções republicanas
José Bento Costa, comerciante, foi presidente da Câmara Municipal de Sintra, pai do escritor e grande sintrense Francisco Costa.
Gregório Casimiro Ribeiro-director do jornal O Regional, e proprietário da casa acastelada existente em Santa Eufémia. Foi administrador do concelho logo após o 5 de Outubro.
Tomé de Barros Queiróz-Tomé
José de Barros Queiróz exerceu os cargos de deputado, Ministro das
Finanças, Ministro da Instrução Pública e Presidente do Conselho de
Ministros. Foi membro da Maçonaria.
Nasceu
em Quintãs, Ílhavo, filho de modestos lavradores. Veio muito cedo para
Lisboa, começando a trabalhar aos 8 anos de idade como caixeiro numa
casa comercial. Apenas na década de 1890 conseguiu matricular-se na
Escola Elementar de Comércio de Lisboa.
Em
1888 tornou-se militante do Partido Republicano Português, ascendendo
rapidamente a lugares cimeiros na direcção daquele partido. Manter-se-ia
sempre no campo ideológico dos republicanos liberais, militando nos
diversos partidos que ocuparam aquela região do espectro ideológico.
Envolvido
nas lutas operárias apoiadas pelos republicanos, foi um dos promotores
da criação da Associação dos Caixeiros Nocturnos de Lisboa, ligando-se
por essa via à imprensa, sendo fundador de A Voz do Caixeiro e
colaborando no periódico O Caixeiro.
Eleito
em listas republicanas foi, entre 1908 e 1911, presidente da Junta de
Freguesia de Santa Justa e vereador da Câmara Municipal de Lisboa. Como
referido, foi ele quem proclamou a República em Sintra em 5 de Outubro
de 1910.Representou Sintra na Assembleia Constituinte que elaborou a
Constituição de 1911, ao ser eleito deputado por Torres Vedras nas
primeiras eleições após o 5 de Outubro, pois esse círculo englobava
Torres Vedras, Lourinhã, Sintra e Cascais, entre outros locais, tendo
obtido 7609 votos.
Com
a cisão do Partido Republicano Português após a proclamação da
República Portuguesa, integrou o Partido Unionista, onde militou entre
1911 e 1919. Foi também secretário-geral e director-geral da Fazenda
Pública, cargo em que foi o principal autor da reforma tributária de
1911.
Como
deputado por Torres Vedras, no mandato de 1911 a 1915, foi escolhido
para vice-presidente da Câmara dos Deputados, apresentando então um
parecer, à época considerado excepcional, sobre a Lei de Meios de
1912-1913 (o orçamento do Estado à altura).
Em 1912 iniciou-se na Maçonaria, na loja Acácia, de Lisboa, adoptando o nome simbólico de Garibaldi.
Na
sequência da revolução de 14 de Maio de 1915, aceita o lugar de
Ministro das Finanças, cargo que exerceu até 18 de Junho de 1916.
Mantendo-se
na actividade política, já em período de degenerescência da Primeira
República voltou ao Governo no período entre 24 de Maio e 30 de Agosto
de 1921, como presidente do Conselho de Ministros (o título do Primeiro
Ministro da época), acumulando com a sua antiga pasta das Finanças. O
seu curto mandato à frente do governo português ficou marcado pela
profunda crise financeira do Estado e por uma tentativa desesperada de
recorrer ao crédito externo, através da contracção de um empréstimo de
50 milhões de dólares na América. Este empréstimo, anunciado como
salvador pelo líder republicano Afonso Costa, acabou por não se
materializar.
Em
1922 foi eleito deputado pelo círculo açoriano da Horta, reingressando
nesse mesmo ano pelo círculo de Lisboa, mantendo-se no parlamento até
1924.
A
partir de 1923 passou a militar no Partido Nacionalista. Faleceu em
Lisboa a 5 de Maio de 1926, já em pleno ano final da Primeira República
Portuguesa de que fora um dos fundadores.
A
ligação de Tomé de Barros Queiróz a Sintra vinha já de antes do 5 de
Outubro, pois aqui adquiriu um chalet na antiga avenida Alda, no final
da actual Av.Heliodoro Salgado, onde tinha por vizinho Henrique Santana,
pai do grande actor Vasco Santana, que contava na altura 12 anos, e
vivia com uma senhora espanhola chamada D.Pepa. Sendo a casa de Barros
Queiróz de 6 divisões e a de Henrique Santana de 12, e tendo Barros
Queiróz 4 filhos, fizeram uma permuta de casas, instalando-se Barros
Queiróz no popularmente designado “Chalet Nabo” pela forma de nabo em
que terminava a cúpula aí construída precedida duma escada de caracol.
Nesse local se realizaram muitas tertúlias e encontros.
Em
1913, sendo Estevão de Vasconcelos Ministro do Fomento, intercedeu
Barros Queiroz para o arranjo urbanístico do local onde hoje está o
jardim da Correnteza.
Depois
da sua morte em Maio de 1926,a Câmara Municipal de Sintra presidida
pelo então presidente da Comissão Administrativa, capitão Craveiro Lopes
(futuro Presidente da República) inaugurou uma rua com o seu nome, no 5
de Outubro de 1926,cerimónia que contou com muitos vultos nacionais bem
como locais, dos quais se destacavam o dr Virgílio Horta e Eduardo
Frutuoso Gaio.
Ribeiro de Carvalho-Joaquim Ribeiro de Carvalho nasceu em 1880 e faleceu em 1942.
Foi jornalista, dramaturgo,romancista e poeta. Foi um dos obreiros da implantação da Iª. República (1910-1926), tendo
sido um activo carbonário.
Durante a República foi eleito várias vezes deputado entre 1911 e 1925. Foi membro da Academia das Ciências. Exerceu
a actividade de jornalista ainda muito jovem, tendo colaborado em diversos jornais, nomeadamente no jornal República de
que foi director. Entre as obras que publicou destacam-se: Livro de um Sonhador, Maria Salomé, O Mar dos Náufragos, etc.
Fernando Morais Gomes
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