Eugénio
Montoito "um pouco de historiador, muito de aprendiz de feiticeiro, e
funcionário público autárquico assumido, com muita honra e orgulho"
escreve sobre um tema candente de hoje, e de ontem, também. Para ler
abaixo.
Nas
minhas andanças de investigação literária e arquivística, tenho-me
deparado com situações que, na sua substância, na sua oportunidade ou no
seu propósito, se aproximam das realidades vividas no meu tempo.
É
óbvio que o encaixe da observação deste passado na perspectiva de
interpretação do presente será, sempre, diferente, independentemente, de
podermos estar perante uma leitura de simples coincidência de
acontecimentos, de uma casualidade provocada por iguais razões ou, até,
por reconhecimento de semelhanças, influenciado pelos condicionalismos
do espírito de época ou de sensibilidades ideológicas militantes.
Todavia, podemos afirmar, com base no saber adquirido, que o
acontecimento de hoje é (mesmo com o desconto da subjectividade da
interpretação), a repetição do passado.
Ora,
perante esta tese, somos de observar que os sentires, as angústias, as
dúvidas e os temores do nosso quotidiano são idênticos às vividas pelos
nossos pais, pelos nossos avós e, por todos aqueles que nos antecederam.
Decerto, que as conversas que dantes se faziam no adro da Igreja,
depois da missa e, hoje, se fazem em redor da mesa do café, falam a
mesma linguagem de desespero, de incompreensão, de raiva e de
incapacidade.
Como
nos escreveu Miguel Real, em O Último Eça (2006), na diferença do tempo
e passados cento e quarenta anos, vivemos o mesmo Portugal que Eça
conheceu, onde as instituições, também, estão aberradamente
constituídas, em que a classe política que nos governa é de uma forma
geral medíocre e ignorante, em que o Parlamento está transformado em “centro de dia”
de bate-palmas focídeos, desproporcionado ao tamanho do país e
desencontrado dos seus interesses, em que os patrões se sinonimam em
empresários especulativos, mais preocupados com renovação do parque
automóvel pessoal do que com as novas tecnologias produtivas, em que os
trabalhadores se prendem às vontades partidarizadas dos seus sindicatos,
em que as elites sociais vivem obstinadas na fama mundana de o ser a
qualquer preço, desde que isso não implique o ético “suor” do estudo e
do trabalho; Enfim, um mesmo povo bárbaro, inculto e manobrado em
crenças, clubites, passerelles dos ditames da moda ou ociosidades
imbecis, agora mais próprias de deambulações por espaços comerciais ou
visionamentos de serões televisivos. Como nas Farpas queirosianas «o
país vive numa sonolência enfastiada… Não é uma existência, é uma
expiação. [E] a certeza deste rebaixamento invadiu todas as
consciências, [porque, é fácil ouvir] por toda a parte: o país está
perdido!»
Igualmente,
neste paralelismo do viver histórico, encontrado nas conversas dos avós
dos nossos avós e nos desabafos do nosso tempo, não podemos deixar de
observar que, também, existem interpretações idênticas sobre as
situações de sossego, agrado ou realização. Nem tudo se resume a um
pessimismo absoluto, apesar de ser difícil compreender porque é que,
ainda, não se aprendeu com o passado e se repetem, constantemente, os
mesmos erros. Ou seja, numa síntese de razão de resposta, sem
pragmatismos fundamentalistas nem fugas para zonas cinzentas, admitimos
que o Homem é um ser bipolar que age em sociedade, na transferência do
tempo, dos momentos e dos exemplos, numa postura de magnânima
solidariedade ou numa gananciosa individualidade, por isso a dor (ou a
alegria), o desassossego ou a acalmia de hoje é a mesma de ontem. A
solução prioritária, que merece o nosso cuidado e a nossa atenção,
encontramo-la na ideia de Rob Riemen: “quem não aprende com a História está condenado a vê-la repetir-se”.
Resta-nos,
por fim, apontar a leitura deste documento, encontrado perdido por
entre papéis municipais de outros tempos e deixar o convite de se fazer o
paralelismo e a repetição na História:
«Senhores Deputados da Nação Portuguesa
A
Câmara Municipal do Concelho de Sintra e os abaixo assinados,
proprietários do mesmo concelho, vêm mui respeitosamente pedir à Câmara
dos representantes do povo, para não autorizar com o seu voto a proposta
do Exº Ministro da Fazenda que vem aumentar com mais 6% as já
pesadíssimas contribuições do Estado.
Senhores,
ninguém desconhece as graves dificuldades com que a agricultura há
muito está lutando no nosso Pais; Todos sabem que a propriedade rústica,
quando muito, pode render 3% sobre um capital que a maior parte das
vezes não é realizável; Todos conhecem os efeitos desgraçados da
filoxera e do míldio; A baixa de preço nos mercados estrangeiros das
nossas frutas de espinho, concorrência nefasta que nos está fazendo a
América com as suas frutas de caroço próprias para conservas, finalmente
a decadência de preço em todos os cereais, que junto ao extraordinário
aumento de salários, torna quase impossíveis em determinadas zonas estes
géneros de cultura.
Senhores,
em vista das razões expostas esperam os abaixo assinados que a Câmara
dos Representantes do Povo, em harmonia com a sua origem não sancione
com o seu voto, um tão extraordinário aumento de impostos, que só uma
administração nefasta e ruinosa poderia justificar.
Portanto os abaixo assinados esperam do patriotismo da Câmara dos Senhores Deputados que a proposta será rejeitada.
E. R. M.cê
[seguem-se 265 assinaturas]»
FICHA DOCUMENTAL
1. [Data]
Documento
não datado. Pela apresentação gráfica e conteúdo informativo somos de
atribuir uma datação compreendida no último quartel do século XIX.
Aliás, a assinatura que encabeça o documento permite-nos justificar a
nossa observação (António Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, natural
de Colares, foi Secretário da Junta do Crédito Público, em representação
do Governo e, em várias legislaturas, de 1880 a 1908, foi Deputado pelo
Partido Progressista, representando o Círculo de Sintra – Para
complemento informativo, ver: de Fernando Morais Gomes
http://reinodeklingsor.blogspot.com/.../chaves-mazziotti-deputado-de-sintra... [página de 13 de Maio de 2011]).
Eugénio Montoito, escrevendo de acordo com a antiga ortografia.
Baleia, 23 de Agosto de 2012
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