domingo, 30 de outubro de 2011

Entrevista de valter hugo mãe à Alagamares

Por ocasião do novo livro de valter hugo mãe "o filho de mil homens" reditamos uma entrevista feita há algum tempo com valter hugo mãe 


valter hugo mãe nasceu em Angola, Saurimo, em 1971. Passou a infância em Paços de Ferreira, vive em Vila do Conde desde 1981. Licenciado em Direito, pós-graduado em Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea.
Vencedor do Prémio José Saramago com o romance o remorso de baltazar serapião, Quidnovi, 2006, sobre o qual José Saramago disse: «Este livro é um tsunami, não no sentido destrutivo, mas da força. Foi a primeira imagem que me veio à cabeça quando o li. [...] Quando foi publicado? E os sismógrafos não deram por nada? Oh, que terra insensível: este livro é uma revolução. Tem de ser lido, porque traz muito de novo e fertilizará a literatura. Por vezes tive a sensação de estar a assistir a um novo parto da língua portuguesa.».
Autor também do romance o nosso reino, Temas & Debates, 2004, considerado pelo Diário de Notícias o melhor romance português editado nesse ano.
Escreveu diversos livros de poesia, entre os quais: bruno, Littera, 2007; pornografia erudita, Edições Cosmorama, 2007; livro de maldições, Objecto Cardíaco, 2006; o resto da minha alegria seguido de a remoção das almas, Cadernos do Campo Alegre, 2003; útero, Quasi, 2003; a cobrição das filhas, Quasi, 2001 e três minutos antes de a maré encher, Quasi, 2000.
Sobre a sua obra: A meta física do corpo, sobre a poesia de valter hugo mãe, seguido de uma antologia, de Rui Lage, Edições Cosmorama, 2006.
Organizou as antologias: O Encantador de Palavras, poesia de Manoel de Barros; Série Poeta, em homenagem a Julio – Saúl Dias; Quem Quer Casar com a Poetisa, poesia de Adília Lopes; O Futuro em Anos-Luz, por sugestão do Porto 2001; Desfocados pelo Vento, A Poesia dos Anos 80, Agora; Cântico Negro, poesia de José Régio, em colaboração com Luís Adriano Carlos.
A sua poesia está traduzida/editada em antologias ou livros autónomos em países como Espanha, Brasil, República Checa, Tunísia, Israel, Alemanha, Suiça, França, Eslovénia, Estónia e Estados Unidos da América.
Esporadicamente, dedica-se às artes plásticas, tendo realizado a sua primeira exposição, intitulada o rosto de gregor samsa, no final de 2006 na Galeria Símbolo (Rua Miguel Bombarda, Porto), preparando a segunda, ainda sem título, para o final de 2008.Actualmente constituiu a banda Governo.
ALAGAMARES-O valter hugo mãe distribui-se por diferentes áreas de actividade artística, literária e musical e até é licenciado em Direito.Qual a sua propensão natural de todas estas? Como se definiria?
vhm-Sou um escritor. Não é possível comparar tudo o mais que faço, ou com que me envolvo, com o meu percurso e empenho na escrita. Sou, de facto, alguém que escreve e tem na escrita um eixo fundamental da sua vida.
ALAGAMARES-A sua escrita reflecte uma visão muito contemporânea da nossa sociedade e valores.Que valores predominam hoje na sociedade portuguesa com os quais se revê?
vhm-Isso gostava eu de saber, que o mais que faço é andar à procura de entender. Os meus livros pretendem ajudar-me a conhecer e a aceitar, eventualmente, o lugar do outro. Não creio que sejamos piores do que os outros, creio é que podemos mesmo ser melhores do que já somos. Gosto de uma certa humildade portuguesa, mas lamento o menosprezo, gosto da familiaridade portuguesa, não gosto tanto da intromissão ou da inveja, como bem aponta José Gil. Uma sociedade melhor há-de ser sempre uma sociedade que procure os seus equilíbrios. Precisamos amenizar defeitos e potenciar virtudes, para isso há que diagnosticar e assumir.
ALAGAMARES-Já ganhou um prémio Saramago. Revê-se ou aprecia mais o homem, o político, o escritor ou nenhum?
vhm-O José Saramago é um grande homem, é um grande escritor. Cresci a admirar o seu compromisso constante com as questões sociais e políticas, admiro que se incomode e não preciso de estar sempre de acordo com ele. Acho que é bem verdade aquela máxima que diz que o preocupante não é o barulho dos maus, mas sim o silêncio dos bons. O Saramago escreve magistralmente e nunca se calou, correndo riscos e incomodando-se. Gosto de gente assim, que pense e opine, para que quem detenha o poder não se julgue invisível ou impune.
Alagamares-Quem são para si os grandes escritores vivos da actualidade?
vhm-Saramago e Lobo Antunes (por quem tenho uma paixão avassaladora), Herberto Helder, Agustina, Ramos Rosa, Maria Velho da Costa, Armando Silva Carvalho, José Agostinho Baptista, Adília Lopes
Alagamares-Acha que um blogger é um escritor que não arranjou editor ou é um repentista que gosta de se ouvir a si próprio? Há uma literatura do tempo das redes sociais?
vhm-Um blogger pode ser de tudo. Há-os bons e maus. Há daqueles que hão-de passar a livro em esplendor, e outros que não chegarão lá. Acho que o blogue intensificou algumas características que já vinham a ser exploradas na literartura pós-moderna, a fragmentaridade e a atenção a um sem número de temas menores, aquilo que leva a uma espécie de literatura de tom diarístico. As recolhas do Pedro Mexia mostram isso bem. Penso que serão dos melhores livros resultantes de blogues que tivemos em Portugal. Por consequência o Pedro Mexia será dos nossos bloguers mais interessantes, sem dúvida. Mas ele já vinha dos livros, na verdade, o blogue veio depois.
ALAGAMARES-O que anda a escrever neste momento?

 vhm-Estou a fazer alterações num argumento que escrevi para uma longa-metragem a ser rodada no Porto no início de 2010.
ALAGAMARES-Acordo Ortográfico: sim ou não?
 
vhm-Sim, se exactamente como está definido é que tenho dúvida. Mas acho fundamental que procuremos manter a língua coesa no âmbito dos PALOP. Se o mundo nos deixar com o português confinado a Portugal vamos ficar mais sozinhos, muito mais pequenos, numa espécie de claustrofobia que será difícil de ultrapassar e que nos prejudicará a todos os níveis, desde logo, e mais ainda, no que respeita à auto-estima.
ALAGAMARES-O graffitti é uma forma de arte ou vandalismo?
 
vhm-Amo graffittis. Há gente fabulosa a pintar por aí. Adorava que me pintassem umas paredes, umas telas, uns papéis, o que fosse. Mas compreendo que nem todos os cidadãos pensem assim, e as casas são de quem são. Creio que há graffitters que entendem um pouco melhor a ética da coisa e fazem intervenções em lugares que, por algum motivo, se adequam melhor à filosofia rebelde da coisa. Penso que algumas zonas das cidades deviam ser declaradas de liberdade criativa a este respeito. Seria lindo. Já a malta dos tags é uma treta. Assinam por aí fora num problema de ego mal resolvido. Não gosto.
ALAGAMARES-Porque escreve sempre com minúsculas?
 
vhm-Porque procuro aproximar-me do modo como verdadeiramente falamos, e não falamos com maiúsculas. O nosso discurso acentua-se naquilo que, pelo sentido das palavras, leva o interlocutor a uma espécie de sublinhado. Nos livros faço isso, ou procuro fazer, que é deixar ao leitor a atribuição da importância relativa de cada palavra. Há uma aceleração do texto e uma democratização da dignidade de cada expressão, de cada vocábulo.
ALAGAMARES-Como vê a juventude portuguesa desta última década?
vhm-Infelizmente parece-me que a minha geração está a retroceder em valores. Nos anos oitenta vivemos numa liberdade, e sobretudo com os olhos postos numa prometida liberdade que, quando passamos a ser pais, voltamos a fechar.
Lamento encontrar em escolas que visito malta dos 15 aos 18 com valores mais antigos dos que os meus. Cheios de preconceitos e caminhando, por exemplo, para uma sociedade mais machista. Abomino essas cantoras tipo putas que se põem nos vídeos de cuecas a esfregarem-se nos carros ou nos gajos com ar de chulos. A América está a vender à juventude de todo o mundo uma imagem dos rapazes como durões antipáticos e das raparigas como descerebradas e no cio. É uma pena, e lamento que a malta nova depois mimetize estes clichés julgando que isso lhes dá poder.
ALAGAMARES-Sintra para si suscita que tipo de sentimentos?
vhm-Tenho vertigens. Tentei um dia subir aí umas ruínas e fiquei petrificado nos primeiros degraus. Tinha vinte anos e foi um pesadelo. Quando penso em Sintra revivo um pouco esse momento em que percebi que o incómodo com as alturas podia ser extremo.

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