Para
além da sua obra como ensaísta, crítico literário, tradutor,
coordenador de publicações de obras literárias, Liberto Cruz publicou
seis livros de poemas – Momento, Névoa ou Sintaxe, Itinerário, Distância, Caderno de Encargos e Sequências; dois poemas longos em forma de pequeno livro – A Tua Palavra e Ciclo –; uma Gramática Histórica, próxima da poesia experimental, um diário de guerra em brevíssimos versos- Jornal de Campanha. A sua poesia figura em inúmeras antologias.
Proponho,
como leitora da sua poesia completa, apresentar algumas achegas sobre o
seu itinerário poético, numa primeira abordagem de conjunto da sua obra
poética, que está por fazer. Uma tentativa de a um tempo apresentar a
sua obra poética e nela encontrar um itinerário que realmente existe.
Liberto
Cruz só publicou mais depressa os primeiros livros, antes de partir
para a guerra de Angola. Os restantes, foi escrevendo e publicando em
datas por vezes distanciadas das datas em que foram escritas. É no
encadeamento da sua escrita poética que me detenho, a qual não coincide,
por vezes, com a sequência cronológica da sua data de publicação.
Porque a sua obra poética tem uma coerência e uma lógica interna bem
ancoradas no itinerário da sua própria vida.
Depois de a ler, reler e nela reflectir, discerni precisamente sete etapas,
um número perfeito para mais de 50 anos de publicação de poesia. Farei
uma breve síntese sobre o conteúdo e expressão da sua poesia nessas sete
etapas, incluindo citações de versos ou poemas que me parecem
pertinentes para a apresentação geral da sua obra poética. Na parte
final, tentarei fazer uma síntese do seu caminho global com a poesia.
1. Antes da guerra colonial: Momento (edição de Autor, Sintra, 1956), A tua Palavra (edição de Autor, Sintra, 1958), Névoa ou Sintaxe (edição de Autor, Sintra, 1959), Itinerário ( Pedras Brancas, Livraria Nacional, Covilhã, 1962)
MOMENTO
Desde os primeiros vinte e oito poemas que publicou aos vinte e um anos no livro Momento (1956),
Liberto Cruz manifestou uma rara sensibilidade à beleza, à vida, ao
amor de sua mãe, à experiência amorosa, ao desejo de aventura, à
expressão da esperança, a par de uma tendência meditativa, expressa em
linguagem despojada, sem excesso de metáforas e sem a preocupação da
construção perfeita, embora já com a tendência para exprimir o essencial
da sua vivência interiorizada. Nela transparece a sua leitura de
Fernando Pessoa.
O poema de abertura, Momento,
é a expressão jovem da procura do momento de beleza, na serrania, no
brotar da água, no caminhar sem pressa a que chama “rotina”- mas que se
desenvolverá ao longo da sua obra poética como um caminho de procura de
sabedoria- o momento de beleza da perfeição cíclica da natureza, o
momento da dor de nascer, deixando margem para a dúvida sobre a
permanência da beleza e a quase certeza da dor, do negativo da vida
humana.
No Poema sem título nem dedicatória,
emerge o desafio para a aventura da viagem sem nome e a esperança de um
dia partir, desafio e partida que se realizará ao longo de muitos anos
da sua vida. Por que não referir o poema deste seu primeiro livro em que
regista o dia em que a comunidade sintrense o reconheceu como menino
poeta, pela sua sensibilidade inesperada à morte de uma lagartixa que,
como “outros meninos” matara? E por que não deixarmo-nos surpreender
pela sua expressão tão jovem de um tema tão antigo como o do amor e o
tempo?
( “O amor e o tempo”, p.38)
Dantes,
Um sorriso teu
Era motivo
Para um poema.
Agora,
-o Outono chegou –
pensar em ti
é varrer da alma,
as pardas folhas
que o tempo,
- o forte tempo-
há muito já secou.
A TUA PALAVRA
Em A Tua Palavra
(Natal de 1958), Liberto Cruz surpreende-nos com um único poema
religioso, porque relacionado com a religião cristã, porque lamenta o
facto de já não haver lugar para a palavra de Cristo – não nomeado mas
apenas entrevisto, através de alusões dedutíveis do contexto religioso
cristão e dos evangelhos - nem há lugar para a sua face, para a
meditação nos seus serenos passos, nos seus milagres, para o efeito da
sua palavra que cura. Este poema elegíaco marca uma tendência da poesia
de Liberto Cruz para a expressão de aspiração a uma certa religiosidade
profunda, de um religação ao sagrado ou à vivência mística que, neste
poema, acaba por ser não veiculada pela figura de Jesus Cristo, da qual o
mundo está cada vez mais afastado. Resta a esperança que apareça “um
rosto novo”, a esperança talvez de uma nova era com outro rosto de
religiosidade. Liberto Cruz assim escrevia aos 23 anos, num contexto
ocidental judaico-cristão e português de quem procura algo que lhe dê
uma referência vivível da experiência religiosa que, nos finais dos anos
50 lhe parecia desacreditada.
A tua palavra…
Aqui, entre onda e pedra, vento e fogo
Já não há lugar para a tua palavra
…………………………………..
e entre onda e pedra, vento e fogo
esperamos que a madrugada
na sua mais próxima palavra
um rosto novo nos cante
(fim do poema “A tua Palavra”
NÉVOA OU SINTAXE
No ano seguinte (1959) publica Névoa ou Sintaxe.
O segundo poema deste livro introduz-nos num universo de quem procura a
paz interior, a aventura da vida, “ na secreta angústia, serena..”
Na paz súbita do canto
Me surpreendo
Em manso aviso
E, insone, embarco
Na jangada incerta.
Não isentas, as veias sabem
E em silêncio depõem,
De coragem, rios.
E a calma é tão fecunda
Que adolescente, parto.
Na secreta angústia,
Serena, a memória me confina
E válido, num grito me anuncio.
( “Na paz súbita do canto”, p. 11)
Antes deste poema, a dedicatória prolongada à sua amada e antes do corpo principal deste livro, “Poema maldito”:
as exclamações, interrogações e algumas afirmações sobre a
incompreensibilidade da guerra, da violência encadeada que não se sabe
onde começa nem onde acaba.
Nos primeiros dois pequenos ciclos de poemas deste livro – “Dádiva”, “Estela de Três Pontas” - predomina
a sua deslumbrada e enraizada relação com o feminino matricial, na
relação com a sua mãe que se funde na relação com a terra-mãe, não
nomeada mas aludida. A poesia de Liberto Cruz é da poesia ao longo de
cujo percurso mais encontrei a expressão de felicidade, de ligação
afectiva ao feminino, a um ser humano, a sua mãe, a sua mulher, a um
espaço físico de origem. Para além desse espaço, a consciência do vazio,
da ignorância, da infância infeliz das crianças que brincam aos mortos,
a ausência de voz, a sensação de se estar parado, inerte, bloqueado, no
quotidiano dos anos 50:
Onde está nossa prenhe e sibilante voz?
……………………………
Que infância é esta,
onde brincamos aos mortos
e aprendemos de cor
as formas legais da contingência?
Que brisa venal, que velada voz
Nos empurra para o abismo da inércia?
…………………………………..
(poema 2 de “Estela de Três Pontas”, p.26)
É notória a procura de vida, do sabor da vida, - pelo recurso a frequentes metáforas da “seiva”, “vinho”, “húmus”, “semente”-, a festa da vida e do vinho (poema “Brinde a Baco”,
p.32), à procura do divino e do amor divino fundido na relação amorosa,
a consciência da inevitabilidade da morte, a procura de libertação do
opressivo, a procura de renovação e de esperança.
Neste
sentido, poderíamos dizer que a melancolia que também neste livro se
anuncia não é fruto de uma infelicidade de ausência de amor matricial,
mas a da consciência da vida opressiva que se vive, a consciência da
brevidade e da caducidade da vida, da inevitabilidade da morte, que
Liberto Cruz começa a exprimir na sua poesia, desde muito jovem.
Nos “Três poemas de Lamentação”
que se seguem, neste livro, surpreende-nos não só a expressão da
consciência da imobilidade, da frustração e da violência da comunidade,
mas também a certeza de que os anjos, como metáfora do espírito criador e
do sopro de vida não regressam e se vive na ignorância e na ausência de
liberdade:
Estamos sós e calmos,
Embrulhados de vento entre salgueiros.
E como são mansos todos os dias,
Tão beatos de ignorância,
Tão estrangeiros de liberdade!
(“Três poemas de Lamentação”, p. 39)
Nessa ambiente de recusa de sopro de espírito e de impregnação de violência - “ o necessário vento recusado” em que “os dedos sabem o sangue” (p.42), de deserto sem água nem uma árvore – “.. existe
um lago e nos deram acácias/ e constantes nos perdemos no saibro/ sem
um fluído, sem uma árvore” (p.42, ibidem), a esperança de que a poesia
possa vivificar a alma do poeta, cuja palavra se anuncia como “química
poética dos sons”:
Este
é um dos livros de Liberto Cruz que privilegia a tomada de consciência
da infelicidade, do sufoco da voz e da liberdade, do impedimento e da
petrificação, da crucificação e do sofrimento inútil metaforizado na
alusão à crucifixação do Senhor. Este é o livro que apesar de incluir um
“Novo poema de esperança” (p.51):
Com o sangue e os óleos que nos separam
Exacta, de novo voltas em lentos passos
termina com “Poema contra a cidade”(p.54) , como metáfora do mundo ou do país em que a vida não tem força nem sentido – “são inúteis todos os rios de resina/ todas as amoras maduras,/ que pisámos bravos,/ no intervalo das estações”
- e os seres humanos não podem exprimir-se, não podem terminar seus
gestos - lembrando-nos a palavra de Sophia de Mello Breyner “o gesto criador é impedido”:
Aqui na cidade nossos dedos não acabam gestos
E a incauta presença nos suga
O esforçado mel de todos os dias
É
um livro que também exprime interrogações sobre a vida, porque nela
ainda encontra pouca clareza, porque tem consciência de uma certa
obnubilação não do seu olhar mas da “névoa” como metáfora do
que não é claro, do que impede a visão e a nitidez na vida. A “sintaxe”
será a metáfora da procura de uma certa lógica interna, ou a expressão,
pelo reverso, da consciência do que Camões chamava a “desrazão”, a falta
de sentido, na vida; será a procura de clareza na palavra poética, no
interior do próprio sujeito lírico e sobretudo na vida da comunidade que
parece desfeita.
Exprime ainda o amor que procura, vive, reconhece e em que deseja perseverar, que irá desenvolver no livro seguinte - Itinerário. Este livro termina dizendo que, na cidade, como metáfora deste mundo ou deste país, nos anos 50, não há espaço para o amor:
Mas a amada perde-se em florestas de ar puro
E meus dedos não acabam gestos,
Não conseguem a calma da sua presença
(p.54)
.
ITINERÁRIO
Escrito entre 1959-60 e publicado em 1962, Itinerário tem
a ver com a expressão da energia fulcral do feminino com quem comunga o
amor que irá desejando. É visível que esse feminino matricial da sua
mãe e da sua terra – Sintra- modelou a sua capacidade de se relacionar e
de se exprimir na procura de felicidade com a presença da sua amada. O
livro chama-se Itinerário porque é dedicado a sua filha
Alexandra acabada de nascer, como que formulando um voto para que ela
viesse também a percorrer um itinerário na sua vida.
Dividido em três poemas fragmentados: “O Rio”, “Dádiva” e “Viagem exacta”,
continua a tomada de consciência sobre a precariedade e o enigma da
vida, a procura e a experiência de dádiva do amor que o possa
transcender. Neles perpassa a metáfora do rio enigmático e enérgico de
vida que nos percorre cuja origem e sentido desconhecemos, cujos barcos
desconhecemos, cujas palavras não nos bastam porque vivemos de excessos
numa existência incerta e precária:
Somos um rio de palavras
Que não nos bastam
Porque exagerada é a água
Em que navegamos
E incerto e vário
É todo o barro
Em que vivemos
(p.15)
É a dádiva, a certeza e a solidez do amor, no poema “Dádiva”, dedicado a sua mulher, que faz brotar o sujeito lírico do rio de incertezas da vida, para a procura da “Viagem exacta”,
metáfora da esperança de um novo caminho, aberto pelo amor, num espaço
onde se vive o contrário, no impedimento e na imobilidade: já não há “o incêndio de palavras” (p.28), onde “nos cortaram as mãos/ e a catedral da nossa esperança/ agoniza todas as noites, /entre estátuas e estátuas” (p.28):
Todavia é no ressaibo dos líquidos,
Na aresta dos tempos,
Na confusa música dos corpos
Aptos e certos para o amor,
Que esperamos a tua visita
(p.29)
Esta metáfora da “tua visita” é ainda de esperança.
Para o fim de “Viagem exacta”, a procura de uma enigmática face libertadora ou redentora que se procura e se vai encontrando, ao longo do tempo:
A concluir a metáfora da viagem exacta, o envio do seus versos para o alto,
E, tranquilo, lanço meus versos
À transparente noite
Do teu canto
(p.33)
Estes
últimos versos lembram o reenvio do final das canções camonianas, da
própria estrutura da canção quinhentista, em que aos próprios versos, o
sofrimento e a palavra do sujeito lírico é reenviada para o alto (vide
Helena Langrouva, A Viagem na Poesia de Camões, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian - FCT, 2006, cap. V).
2. O Diário de guerra: Jornal de Campanha (escrito em Buela, Luanda e Sintra, entre Maio de 62 e Janeiro de 65), Peregrinação, Cacilhas, 1986
Vimos como “Poema maldito” da colectânea Névoa ou Sintaxe (1959)
manifesta a incompreensibilidade da violência encadeada que é a guerra,
ao longo da história. Mobilizado para a guerra de Angola, Liberto Cruz
redigiu em verso o seu Diário de combatente forçado, a que deu o título
de Jornal de Campanha. Trata-se de um livro raro na literatura
portuguesa sobre a guerra colonial, em brevíssimas palavras a que
Eugénio Lisboa, no prefácio, chama “disparos”. Teve a maior
dificuldade em publicá-lo em Portugal antes e depois do 25 de Abril. Só
conseguiu publicá-lo, em 1986, numa editora portuguesa radicada na Suíça
que depois o difundiu em Portugal. Todavia um júri em Portugal
reconheceu o seu grande valor e atribuiu-lhe o Prémio de Poesia Cidade
de Lisboa nesse mesmo ano.
A
brevidade dos seus versos tem a ver com o facto de ser tão grande a
ignomínia e a inutilidade da guerra, a hórrida violência, que não há
palavras, apenas o essencial da experiência terrível que lhe atravessa o
corpo, a vista, os corpos dos jovens despedaçados, a ânsia de que a
guerra acabe. O livro está dividido em duas partes: “Situações” (p. 15-79) e “Posições” (p. 80-118) e termina assim:
“Uma
novidade: a partir de agora alguns pais vão passar a receber no dia 10
de Junho, no Terreiro do Paço, uma medalha em troca dos seus filhos”
(p.118)
Vejamos de “Situações”:
Cumpro ordens como quem rouba pão (20)
Num dos versos está subjacente o versículo 4 do Salmo bíblico de exílio do povo judeu, 137 (136), Sobre os rios de Babilónia: “Como cantaremos o cântico do Senhor em terra alheia?”, para exprimir uma forma de exílio forçado e a injustiça da guerra, num país alheio:
Quem sonha no país alheio?
Quem ama na terra alheia? (24)
Já viste um jovem morrer?
Acaso esqueceste o brilho dos seus olhos (27)
“O silêncio é uma arma adormecida” (p.38)
“Lento o tempo vai tecendo a teia do desespero” (41)
“Falecem folhas nas árvores e amigos feitos soldados” (44)
“Nada sei. Nada espero. Sobrevivo.” (50)
“Inertes vamos rasgando o corpo.
E quem nos devolve o sangue?” (64)
Retomando o tópico humanista de Armas e Letras, nos séculos XV e XVI, na Europa – como na expressão de Camões: “Numa mão sempre a espada e noutra a pena” - : Liberto Cruz escreve:
“Na mão a arma rápida. No peito a pena encravada”:
Neste
verso, a espada é substituída pela arma moderna e a pena é a pena como
sofrimento encravado no peito; é também a pena como metáfora da escrita
que poderia aliviar o sofrimento mas que é irrealizável: a pena de
escrever também está encravada no seu peito. Não pode escrever de tal
modo está trespassado pelo sofrimento e imobilizado pela violência da
guerra:
Recorre à expressão das situações de absurdo que a guerra provoca:
“Um tenente-coronel na missa. Um capelão bêbado.
Um miliciano dando tiros. Um cabo a ler Camilo.
É a guerra. (p.85)
Este último verso “é a guerra”
é uma paródia a uma publicação de Aquilino Ribeiro, de 1912, com este
título, em que o autor tem uma posição ambígua sobre a guerra.
“Situação normal” disse o Alferes.
Reparei que um soldado tinha um cinto de orelhas (p. 86)
Perpassa
neste livro o sujeito cujo corpo foi atravessado pela guerra que
denuncia, desaprova, que foi forçado a experimentá-la. Em 1963 escreveu
um poema em prosa sobre a guerra angolana que publicou em Abril de 1964
na Revista Estudos de Castelo Branco, nº 12: chama-se “Discurso claro como o Inverno”, acompanhado de um glossário próprio, de que cito um breve passo, do início.
Chegou
o tempo de colocarmos o nosso capacete do vento, de tropeçarmos na erva
ou numa pedra e nos deitarmos no chão na companhia das formigas,
esperando a tua vinda como quem planta uma árvore ou verifica um astro.
Estamos
há tanto tempo instalados no comprido branco do disfarce, neste
silêncio de marabunta, que uma liana nos prende a esta morena teia de
vidros e espadas, de abutres e sapos, aqui onde sabemos o teu nome, o
teu necessário nome
-claro como o Inverno –
que antílopes deslocaram para as matas e dedos de hiena e sangue transformaram no mais súbito dos vulcões.
Espero que este poema venha a ser publicado em livros futuros.
3.Gramática Histórica, Comércio do Funchal, Funchal, 1971 ( assinada com o pseudónimo de Álvaro Neto)
Liberto
Cruz nunca se considerou poeta experimental, no sentido contemporâneo
da chamada “poesia experimental, visual, concreta”. São as escritas que
dão origem às teorias e não contrário. Liberto Cruz, com o pseudónimo
Álvaro Neto, escreveu Gramática Histórica entre 1962 e 1966 e os Cadernos de Poesia Experimental começaram a ser publicados em Portugal, em 1964. Gramática Histórica
é um livro fácil de ler, cheio de jogos que ajudam o leitor a separar o
trigo do joio. A chamada poesia experimental da época ajudou para a
publicação da obra, mas não esteve na sua origem porque a obra já estava
feita.
Continuando
a tradição portuguesa das cantigas de escárnio e maldizer, Álvaro Neto
recorre à ironia, à caricatura, à paródia da normatividade dos manuais
escolares, em particular da gramática da língua portuguesa para criticar
o quotidiano português. Teve dificuldade na sua publicação e a obra
esgotou-se em muito pouco tempo, num circuito restrito de destinatários
interessados. Acaba de ser reeditada, em Lisboa (Álvaro Neto, Gramática Histórica revista e aumentada,
com Prefácio de Haroldo de Campos e João Fernandes, Lisboa, Roma
Editora, 2007).Além da ironia e da caricatura, recorre a uma análise
muito subtil de fonética, morfologia, sintaxe, semântica e versificação
que possibilitam a construção de textos de uma falsa exemplaridade que
põe em causa. A Gramática Histórica de Álvaro Neto revisita
categorias da gramática normativa tradicional que veiculava a ideologia
dominante. A poesia experimental, em Portugal foi uma das tentativas de
superar o isolamento, o atraso cultural e a ausência de discussão
estética, na década de 60. Escrita entre 1962 e 1966 - quase a par do Jornal de Campanha
- e publicada em 1971, foi prefaciada por Haroldo de Campos, conhecido
autor de poesia concreta brasileira (falecido) que a considera “uma
contribuição positiva, no âmbito da nova literatura portuguesa, para a
aventura textual da poesia, hoje”. Nela se encontram inúmeros
cruzamentos de sentido através de palavras que criticam o quotidiano e
que exemplificam categorias gramaticais de que escolhemos algumas:
VERBOS REFLEXOS
TODOS NOS QUEIXAMOS
PERIFRÁSTICOS
Vamos pôr toda a esperança no futuro do país
PALAVRAS DIVERGENTES
Tirania
Paz
Alegria
Miséria
Trabalho
Dor
Esperança
Sangue
Liberdade
Escravatura
Povo
Prisão
PLEBEISMOS VULGARES
Um gajo sem cunhas pediu uma Bolsa.
Nicles, claro!
Dizem que ficou com uma grande cachola.
Que artolas!
ARCAISMOS
Casou por amor
O patrão aumentou-lhe o ordenado
Deixamos
ao leitor a procura de inúmeras surpresas que o ajudarão a avançar no
espírito crítico, no seu verdadeiro sentido, ou seja ou de saber
discernir – Criticar não é condenar, é discernir, é ajudar a
discernir, ajudar a saber distinguir, a separar o trigo do joio:
trabalho de uma vida inteira. É esse sentido original que falta repor à
palavra criticar, mas que não falta na crítica subtil de Liberto Cruz.
Na segunda e última edição revista e aumentada da Gramática Histórica,
Liberto Cruz inseriu textos que então não poderiam ser editados e
outros que através das categorias de uma gramática normativa continuarão
a ajudar o leitor a descobrir (cito o Prefácio de João Fernandes) “ os contrasensos de um senso comum imposto como bom senso dominante”
4. Poesia e exílio: Distância ( poema escrito em Rennes, Bretanha, entre Dezembro de 1967 e 20 de Abril de 1974), Perspectivas e Realidades, Lisboa, 1976
O longo poema fragmentado Distância
marca uma viragem na poesia lírica de Liberto Cruz. O início da escrita
deste poema dista cerca de sete anos da conclusão da escrita de Itinerário (1960) que como vimos, é um itinerário fulcral da energia e do enigma da vida, ao amor e à procura de um caminho, da “viagem exacta” que culmina com o reenvio, em movimento ascendente, dos seus versos para a “noite do teu canto”.
A poesia lírica de Liberto Cruz ficou em suspenso, depois deste
movimento ascendente ou anabático porque foi a guerra que ele teve de
atravessar, de que nos deixou Jornal de Campanha e a consciência cívica que construiu na Gramática Histórica
que ocuparam a seu trabalho poético, de 1962 a 1966. Disciplinadamente
retomou a escrita mais pessoal e lírica no ano seguinte, em 1967, para
demorar sete anos a construir este poema composto por pequenos poemas de
versos breves em que se nota um progressivo processo de dissecação das
palavras. É um poema construído com o tempo, longe de Portugal e de
Angola. Por isso lhe chamou Distância. É um poema marcado pela
contenção da palavra, a procura da palavra essencial, já não em forma de
disparo, como comentava Eugénio Lisboa, a propósito de Jornal de Campanha,
mas um outro modo de viver e sobreviver à experiência de exílio não
forçado mas voluntário de Portugal, em França, que prolongou durante
vinte e dois anos, nas funções que assumiu na Universidade de Rennes e
na Embaixada de Portugal, em Paris. Numa entrevista que deu ao Público,
em 1994, disse que não tem pressa de publicar a sua poesia, que não
acredita na inspiração para a escrita poética, mas no labor, na
transpiração, considerando-se também um estrangeirado.
No poema Distância,
Liberto Cruz entrecruza o amor, o enigma e o quotidiano de um modo novo
e muito menos acessível que nos primeiros livros, sem ser hermético. É
como que o seu respirar ou transpirar em terra alheia, na companhia de
quem ama, mas onde não sente eco de si próprio. A expressão desse Outro
vai-lhe pesando pouco a pouco, segundo se pode deduzir, embora não
esteja explícito, porque, no centro do poema, o regresso a Sintra,
também não explícito, marca uma viragem determinante no conjunto do
poema. Para retomar a intranquilidade em terra alheia, a experiência de
tolerar o “solo alheio”, e o chamamento profundo da Pátria,
exprimindo o suporte da língua materna nas repugnâncias, no pranto, nos
pormenores do quotidiano no estrangeiro; a presença e a inevitabilidade
da morte, num espaço de outrem que pode tornar-se quase uma prisão, onde
tem de se trabalhar, até quase se ficar espartilhado pelo exílio. A
ponto de a saudade ser tentacular como um polvo e o exílio, expresso na
metáfora “babilónias”, poder ser conducente à loucura – “destruindo a razão”- e o sujeito exilado se enterrar vivo, à procura de uma redenção (“Messias secreto”). Esta poderá ser uma voz colectiva do exílio:
Só
no último verso do final do poema aparece a palavra exílio, relacionado
com a memória, a palavra, a escrita dos afectos de quem está distante:
Sôfrega a memória
Brilha. Fogo lento
A palavra
Crepita.
O país define-se
Prática ilícita de
Um critério. Imagem
Empírica.
Objecto solto,
Afectuosa escrita,
Coincidente apelo,
A voz elimina
O discurso. Digo país
Escrevo exílio
5. Ante-pausa: Ciclo, Oficina da Fénix, Porto, 1982 ( para comemorar os 25 anos da publicação de Momento)
Antes
de se debruçar sobre o balanço da sua vida e da sua escrita, Liberto
Cruz faz uma pausa a que chamo ante-pausa, porque a pausa verdadeira é a
que se aproxima. Compõe um pequeno poema fragmentado em dez pequenos
poemas que abrem com o regresso à “terra vasta da infância”, o retrato e a memória dos pais, os sonhos, o rio, a ordem, o medo, a memória da adolescência:
Continua
a travessia da experiência do amor e sua fusão com a natureza, como nos
livros de juventude, com uma expressão muito despojada, para concluir
sobre o ciclo do corpo, o fogo que tudo devora, o ciclo da terra, a
efemeridade do que se harmoniza no mundo, o “provisório concerto”:
6. Balanço da sua vida e obra e regresso às origens: Caderno de Encargos ( escrito em Paris e Sintra entre 1984 e 1990), Colibri, Lisboa, 1994
É no seu livro Caderno de Encargos que o poeta faz uma pausa para fazer o balanço da sua vida e da sua obra. Trata-se
de uma colectânea em que escolheu a forma do soneto como modo de
continuar a disciplinar-se na expressão contida mas com uma componente
muito mais elaborada que nos livros anteriores por ter como estrutura o
soneto que até então não escrevera. Caderno de Encargos é
uma obra de maturidade de vida e de vivência poética, marcada pela
síntese, a questionação sobre a vida e a morte, a contenção, a
diversidade e unidade de temas, a disciplina e a depuração estética de
sessenta e seis sonetos de redondilha maior, exigindo do leitor
experiência, vivência e maturidade. Parafraseando Camões, conforme a
vida, o amor, que tivermos, assim teremos o “entendimento”
destes belíssimos versos. O autor faz o balanço da sua vivência poética e
existencial, das experiências do amor, a intuição e a certeza da morte,
a tristeza, o deserto e os limites da vida, o envelhecimento do seu
corpo, o afastamento de Portugal pela guerra de Angola, o exílio, o
refúgio da memória, a atitude de quem se interroga, sofre, acabando por
aceitar com sabedoria “ as coisas que são o que são” (soneto 64,
p.76), a inquietação da brevidade da vida (soneto 21, p. 33), a força e
construção da escrita (sonetos 34,43,37,55), a viagem final “da terra
misteriosa para a terra do mistério”, (soneto 66, p.78). Não esconde o humor discreto (son.54),- “sabemos só navegar” - a encenação e teatro da vida (soneto 61, p.73), escolhendo a imagem do peixe que se movimenta no aquário, como “um modelo transparente e só de estar na vida (soneto 62, p. 74), o que corresponde a um dos seus modos de conter a vivência existencial e poética. Caderno de Encargos é um livro de um homem solitário, de meia-idade (p.22 e 77), cuja epígrafe é de Alberto Caeiro:
Ser poeta não é ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho
Eis alguns sonetos - chave:
Dia a dia anotando
Vou da vida os encargos.
Da viagem já passada
Ou perdida o balanço
Faço. E por ele corro
O tempo recuperando.
Só em seres e haveres
Me perco. Quem se inventa
Nunca seu mundo repete.
Entre o provável e o certo
O erro vejo dos dados
O lance das coisas sigo.
Quem cedo o sono perde
O real tarde alcança?
(Soneto 10 , p. 22)
Liberto Cruz tem consciência de que a criatividade renova o sabor da vida – “quem se inventa/nunca seu mundo repete” (soneto 10, p. 22).
O movimento para fora da pátria é expresso já não com uma certa angústia do longo poema Distância
de que atrás falámos, mas de quem já superou o exílio e o encara com
abertura, adaptabilidade, confiança de vencer e até de prolongar
Quem da pátria desanda
Parte só para vencer
……….
E se acaso não volta
Todavia sempre longe
Sua Pátria prolonga”
(soneto 17, p. 29)
Para
o poeta, a nossa pátria é também o espaço interior que sempre se
procura, o que está por fazer, a inventar, não o espaço imóvel:
A nossa pátria é
Por dentro de cada um
Sem limites nem fronteiras
Falas ou religiões.
A nossa Pátria é
espaço a inventar
(soneto 26, p. 38)
O espaço de reencontro com o local onde se nasce e se vai morrer é um dos fulcros deste livro:
Voltamos sempre ao crime
Do local onde nascemos
………………………………………
Rápidos ali morremos
(soneto 60, p.72)
Como
sintrense modelado pela beleza e o mistério de Sintra, Liberto Cruz
concentra em alguns sonetos o seu regresso às origens e à casa paterna
(son. 22, p. 34), à Serra de Sintra – a “montanha divina”
(soneto 20, p. 32), ao rio da sua infância (soneto 39, p. 51), à
atitude meditativa que a sua companheira árvore lhe inspira (son. 48,
p.60)
São longarinas de vento
Na montanha estendidas.
É dos pinheiros o cheiro
E das flores é a cor.
Uma ave que desliza
O silêncio que passa.
Água fugindo viva
Por entre pedras e ervas.
É do mundo o começo
Aqui ou aqui termina?
São estes sinais dum deus
Ou o deus derradeiro?
Entre a vida e a morte
É a montanha divina
(Soneto 20, p.32)
Aqui havia um rio
O rio da minha infância.
Dele parti para longas
Viagens e longas terras.
Aqui havia um rio:
Um rio inominado
De névoa e mistérios
O rio da minha infância.
Aqui havia a minha
Infância e um rio
E deles parti há muito.
A eles regresso agora:
Quem poluiu o meu rio
Quem usou a minha infância?
(Soneto 39, p. 51)
Na luz branda do caminho
Não dorme nem me vigia.
Mas quando a vejo sei:
A sua vista me basta.
Avanço e olho. Ando
Sem que nada me desvie
E desde que a noite chega
Tenho sonhos exaltantes.
Não sei sequer o seu nome
Mas em memória tenho
O seu perfil de rainha.
Nem vale a pena saber:
Esse inominado ser
É a companheira árvore
(Soneto 48, p. 60)
O retorno a esse espaço não é de quem dele se afastou voluntariamente:
Não sendo um filho pródigo
Volto à casa paterna
E com saudades chego
como quando parti
(Soneto 22, p. 34)
mas a renovação de um afecto que perdurou, apenas inexoravelmente alterado pela morte da mãe:
Nada mudou. Faltas tu
Mãe e de repente tudo
Foge já nada existe
(Soneto 22, p. 34)
O
regresso à serra de Sintra, ao seu silêncio, agudiza a consciência da
sua própria identidade, embora evoluída no tempo que simultaneamente o
torna “outro” no seu ser, no seu modo de olhar a paisagem, na
mudança do seu próprio corpo, numa atitude de um certo estoicismo, pela
aceitação da mudança para essa outra forma de estar perante a paisagem:
À serra volto ainda
No silêncio das pedras
Me vejo então um outro
mas o mesmo sendo
…………………………
Outra forma de estar
perante a mesma paisagem
aceito. E facilmente
O mesmo sinto um outro
Na viagem do meu corpo
As pedras a serra vendo
(Soneto 18, p. 30)
O seu corpo a envelhecer parece renovar-se correndo “em redor do velho corpo/ da serra adormecida”, o qual se transforma pela magia de “duendes e fantasmas”, “camélias…túlipas”… “de rosa e buganvílias/ agapantos araucárias”
(soneto 38, p. 50). Essa magia torna-se interactiva e rejuvenesce a
própria serra, suscitando saudade em ambos – no sujeito lírico e na
serra por ele animizada:
Em redor do jovem corpo
Da jovem serra de Sintra
De novo corro. Antigo
Agora o corpo meu
De saudades um rio
Em mim e na serra corre
(Soneto 38, p. 50)
É
a expressão da nostalgia comungada da juventude do sujeito lírico do
poema e da paisagem da sua infância como se a serra fosse sempre
renovada, no seu corpo, por seres mágicos, flores e árvores. A serra de
Sintra é ainda contemplada nas suas cores, aves, silêncio, pedras,
ervas, para acompanhar o mistério da presença da vida e da morte,
identificáveis com “sinais de um deus”. O divino manifesta-se na própria identidade e beleza da serra, como companhia da vida e da morte:
Entre a vida e a morte
É a montanha divina
(soneto 20, p. 32)
Eis
um dos mais belos livros que se escreveram sobre a viagem da vida que é
a de todos nós, escrita por um autor sintrense, em modos e espaços
diferentes, no regresso às origens, a Sintra, à nossa – porque cá
nascemos e cá vivemos – “montanha divina”.
7. Sequências, Livros Horizonte, 2000 - poemas breves ilustrados com colagens de Maria Gabriel; Construir, inédito, escrito em Paris em 1978 e revisto em 1993
A obra poética de Liberto Cruz culmina com o livro Sequências, a
expressão de imagens, ideias e pensamentos muito breves em poemas de
pouco mais de dois versos, à procura do que poderíamos chamar o
essencial do mistério da vida e do espírito, já liberto da caducidade do
corpo. Alguns poetas contemporâneos tentaram retomar o que chamam haikai mas que raramente o são porque os haikai japoneses
tinham muitos códigos difíceis de seguir na cultura ocidental. Outros
poetas portugueses, como Casimiro de Brito, têm o fascínio da escrita em
poemas muito breves em que retomam livremente essa tradição, sem
poderem respeitar os respectivos códigos. No caso de Liberto Cruz, a sua
escrita destes poemas breves flui como um rio de palavras todas
filtradas pela sua vivência, a sua meditação, a sua aceitação dos
limites do visível e da possibilidade do ascenso do espírito, para além
da caducidade do corpo. Esta escrita de síntese, sobre o essencial,
corresponde ao seu modo de ser poético. Se a sua poesia anterior e muito
em especial Caderno de Encargos exprime a procura de
serenidade interior e de sabedoria de viver que tão bem se harmoniza com
a sua personalidade, como pessoa e como poeta, Sequências será
uma colheita de frutos de sabedoria, de contemplação da vida e do mundo
visto de cima, de maneira sábia e distanciada. Pela sua leveza,
visualidade e profundidade foi possível que este último livro de Liberto
Cruz fosse ilustrado com colagens de Maria Gabriel, escolhidas pelo
autor:
Viver a vida
É esquecer a morte
Espero a amada
As estrelítzias
Fazem-me companhia
Como obra inédita, lemos Construir,
um conjunto de poemas escritos em Paris em 1978 e revistos em 1993,
sobre a arte poética como labor e esforço de construção arquitectónica, a
metáfora de todos os materiais de construção que o erguer de um
edifício envolve. Não se trata de um livro técnico, mas de uma meditação
poética sobre o essencial do ofício de escrever. É também uma homenagem
ao poeta Blaise Cendrars, cuja obra Liberto Cruz tem seleccionado e
traduzido: terá sido a última palavra pronunciada por Cendrars antes de
morrer: “Construire”.
Síntese aberta
Se lermos ou relermos a Conta-Corrente de
Vergílio Ferreira (I, 3ª edição, p. 345), encontraremos as visitas de
Liberto Cruz à casa de Vergílio Ferreira, em Fontanelas. É espantoso que
um romancista tão profundo tenha tido a humildade de confessar a
Liberto Cruz que não entendia alguma da sua poesia, que lhe agradecia
que respondesse a perguntas e que o esclarecesse sobre o que pretendia
com a sua poesia – a que Liberto Cruz respondeu com todo o gosto.
Sigamos a humildade de Vergílio Ferreira. Porque todos podemos ser
herméticos, quer autores quer leitores. Depende do conceito de
hermético. O que interessa é que caminhemos no diálogo, no trabalho do
ofício de ler, se possível no ofício de escrever: são ambos exigentes e
vários.
Nas
sete etapas que percorremos no itinerário poético de Liberto Cruz,
pudemos entrever a sua poesia bem ancorada na vida, um itinerário com o
corpo, o amor, a natureza, o sofrimento, a sua não-aceitação da
violência nem da guerra, a sua procura de tomada de consciência, de
convite ao discernimento, a viagem e o enigma da vida, a inevitabilidade
da morte, a nostalgia da própria vivência poética, do exílio, filtrada
por uma rara sensibilidade e um modo de ser poético de quem sempre
procurou o essencial, na vida e nas palavras, quem procurou o rigor e a
música das palavras, o rigor da arquitectura do poema, privilegiando a
procura de harmonia, de claridade, de expressão contida, sintética e
meditativa, regressando sempre à beleza de Sintra, num caminho de global
direcção para o que poderíamos chamar um religiosidade natural de quem
procura a paz dentro de si próprio e com outrem, a sabedoria de viver, a
aceitação estóica da vida. Esperamos que depois do livro Construir,
ainda inédito, esteja em curso uma outra obra poética com o seu ritmo
talvez um pouco mais espraiado, continuando o seu caminho de um dos
maiores poetas originários de Sintra e um dos melhores poetas da
literatura portuguesa da sua geração.
Sintra, 4 de Maio de 2007
A
propósito da publicação de Liberto Cruz, Poesia Reunida, Palimage,
Coimbra, 2012, que reúne todos os livros mencionados neste itinerário e
três longos poemas inéditos, este artigo terá a sua sequência
Sintra, 11 de Junho de 2012
Helena Langrouva
Helena Langrouva é
licenciada em Filologia Clássica (Faculdade de Letras, Universidade de
Lisboa), Maître ès Lettres Modernes – Cinéma (Montpellier III-
Université Paul Valéry), pós-graduada – DEA ( Universidade de Paris III-
La Sorbonne Nouvelle), Master of Arts e Master of Philosophy
(Universidade de Londres – King’s College) – e doutorada (Universidade
Nova de Lisboa) em Estudos Portugueses. Foi Leitora de Língua e Cultura
Portuguesas nas Universidades de Montpellier e Rouen, ensinou Literatura
Portuguesa Clássica, Teoria da Literatura, Introdução aos Estudos
Literários e Francês, no ensino superior, em Portugal, com passagem pelo
ensino secundário onde leccionou Grego, Latim e Português. Equiparada a
bolseira pelo Ministério da Educação e Cultura, foi bolseira da
Fundação Oriente e da Fundação Calouste Gulbenkian, tendo investigado em
bibliotecas e museus europeus. Escritora, investigadora
interdisciplinar, nas áreas da cultura clássica, renascentista e do
século XX, tem-se dedicado em especial ao estudo de Literatura e Arte
dos séculos XV e XVI.
É autora de A Viagem na Poesia de Camões, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian- FCT, 2006; Actualidade d’Os Lusíadas, Lisboa, Roma Editora - apoio FCT, 2006; De Homero a Sophia. Viagens e Poéticas, Coimbra, Angelus Novus – patrocínio IPLB-, 2004; Arpejos de uma Viandante/ Arpèges, Lisboa, 2003. Co-editou, com Aires A. Nascimento, José V. De Pina Martins e Thomas Earle, Humanismo para o nosso tempo. Homenagem a Luís de Sousa Rebelo, Lisboa, edição patrocinada pela Fundação Calouste Gulbenkian e comercializada pela APPACDM, Braga.
Publicou ensaios nas revistas Brotéria, Critério e O Tempo e o Modo (Lisboa), Traduziu e seleccionou Lanza del Vasto, Não-Violência e Civilização- Antologia, Lisboa, Edições Brotéria, 1978 e traduziu ainda Jean Joubert, O Homem de Areia (romance), Lisboa, Difel, 1991.
Estudou
Artes Musicais – Canto Gregoriano e Canto Clássico - Artes Plásticas –
Desenho e Pintura- e Iconografia. Tem ainda cultivado o canto ao longo
da sua vida, fez exposições individuais de Pintura em Sintra, Lisboa e
Évora e dedica-se em particular à pintura de ícones.
É
membro da Associação Portuguesa de Escritores, da Associação Portuguesa
de Críticos Literários, da Sociedade Portuguesa de Autores, da
Associação Internacional de Lusitanista.
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