segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Alagamares, 8º ano


Sete são as maravilhas do mundo antigo, sete as virtudes humanas, sete os pecados mortais e sete as cores do arco-íris. Sete as colinas de Lisboa e sete também os anos que a Alagamares completou dia 9 de Março de 2012.

Projecto de carolas gisado em fins de tarde nos cafés de Galamares, Alagamares se lhe decidiu chamar, por ser esse o primitivo topónimo da aldeia onde a maioria dos fundadores morava e, porque tal como o mar alagava o rio das maçãs quando este era navegável, também assim se desejou, que como a água purificadora, o conhecimento e o desafio de alargar o espírito alagassem as mentes dos que connosco abraçaram este projecto.

Fizemos colóquios e passeios, oficinas artísticas e debates, convívios e conferências. Não esquecemos valores locais, em carne e em pedra. Zelámos para que um chalé arruinado revisse portentoso a luz de Sintra e o seu cheiro inebriante. Demos a conhecer e aprendemos. E, apesar do mar revolto e dos pequenos adamastores, continuamos nessa senda, por vezes quixotesca, mas que por isso mesmo nos torna cidadãos mais reconciliados connosco próprios, caminhando na Estrada e não nas bermas, nesta terra com uma serra por sentinela, milenar guardiã e larvar berço de lendas e histórias, de mouros e cristãos, visionários e viajantes, aristocratas e feiticeiros, espantados com o sempre odorífico triunfo do verde e em presépio aninhando casas, palácios, fontes e miradouros, na pretérita lembrança do Cruges e Calisto Elói, de Garrett e Zé Alfredo, de Anjos Teixeira e M.S.Lourenço, da feiticeira Llansol e de Nunes Claro, ou mesmo até do Carvalho da Pena cavalgando na serra, druida da floresta e dos lagos.

Utópico altar de poetas, lusitano reino dum palpável Parnasso, invocamos hoje todos os vivos, de Maria Almira a Rui Mário, de Jorge Menezes a João Mello Alvim, de Miguel Real a Sérgio Luís Carvalho, e todos os generosos artistas de muitas gerações, rodopiando em danças medievais ou em bailes das camélias, ovacionando os vitoriosos patins de Raio e Cipriano, na terra que em queijadas e travesseiros descobriu os prazeres do açúcar e orgias do paladar à sombra tutelar do Paço.

De entre eles, destacámos alguns este ano, homens e mulheres que na sua área se distinguiram e muito ainda têm a dar. A Filomena Oliveira, pitonisa da ágora sintrense e consistente entusiasta do teatro no grande palco do mundo; o Fernando Sousa, activista dos direitos do homem, em prol do império da liberdade, essa vela ainda apagada em muitos recantos deste nosso desconexo cosmos; o Jorge Menezes, eremita da casa branca, sacerdote desta terra lunar em busca da redentora luz, tecendo novelos nos labirintos da alma.

Aqui assentámos arraiais e hipnotizados mirámos o castelo onde invisíveis ogres lançam caldeirões de azeite e soturnas bruxas invadem a noite em holográficas vassouras. Aqui escutámos os passos dum rei prisioneiro e o ecoar das festas joaninas, um amargurado Camões lendo para um rei alucinado, a condessa d’Edla e D.Fernando, acorrendo à Vila com o repicar do sino em S. Martinho ao fundo.

Invisíveis faunos e visíveis heróis, incensados e perdidos, esperançosos e idealistas tomam lugar no camarote do tempo, com escolta dos pássaros e camélias, anunciando o lauto festim de Sintra à sombra da argêntea Lua.

A Alagamares está na estrada e não na berma. Sem dinheiro, mas enriquecida pelo contributo dos que amam Sintra e a querem como vila criativa e nicho de cultura, onde cada cidadão seja um jardineiro e cada munícipe um laborioso operário dessa utópica Pólis, voltado para o primado do Nós e refreando os Egos que todos juntos apenas subtraem e nada somam.

Estaremos no abate injustificado de cada árvore, na divulgação dos artistas sem luzes da ribalta e dos arredados da fama. Estaremos na luta pelo restauro do património público e privado que sangra em muitas vielas da Vila Velha ou nos iníquos depósitos de gente e frustrações que são os subúrbios a que chamam áreas metropolitanas. Estaremos no desfolhar deste livro ainda incompleto que é Sintra e as suas gentes.

É tempo de celebrar. E além de celebrar, lembrar. Lembrar que a esperança se constrói e não é só um estado de alma; que o Futuro sem desafio em breve será um passado desolador, que é este o momento e a hora da nossa geração deixar marcas e pegadas que um dia nos possam deixar dizer: valeu a pena. E ao dar a conhecer a nossa História e tradições, artistas e artesãos, tendo sempre em mira a necessidade da inscrição, como escreveu José Gil, de ter espírito crítico e modelador da cidadania na nossa apreensão das expressões culturais, atentos àquilo que com a cultura se pode alterar, inscrevendo a verdadeira mudança e não a mera reprodução de modelos e estereótipos, fazer da cultura e da expressão cultural uma arma para transformar intrinsecamente a sociedade e não apenas um camarote de vaidades ou manifestações culturais acríticas e folclóricas, pindericamente estrangeiradas e serôdias.

Somos poucos, mas seremos aquilo que nenhum triunvirato de usurários da finança conseguirá que deixemos de ser: livres e com opinião, livres para ouvir e para falar, construtivos no objectivo de destruir atavismos mentais e abrir portas à suave brisa da mudança.

Pelo ano fora, haveremos de nos ver por aí, em debates e roteiros, em intervenções e denúncias, e cúmplices, saberemos quem somos e ao que vimos, e dia a dia, evento a evento, haveremos de escrever com letra grande a palavra Cidadão.

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