Foi a 27 de Outubro
de 2005 que foi assinada a Convenção de Faro, importante documento sobre o valor do património
cultural na sociedade contemporânea e que entrou em vigor a 1 de Junho de 2011.
Esta convenção nasceu no seio do Conselho da Europa, antecedida pelas convenções
de La Valleta (1985), Granada (1992) e Florença (2000), e surgida a partir da
experiência das Jornadas Europeias do Património. A sua grande inovação é o
facto do património cultural ser constituído também pelo património imaterial e a sua relação com a sociedade contemporânea,
tendo um cunho cívico e constituindo um factor de paz, entendimento
e justiça, onde a iniciativa trás como indispensável a participação da comunidade
científica e dos cidadãos e olha para o património como fomento de coesão
social. Daí decorre um ponto de partida duma perspectiva onde as
pessoas e não só o património edificado sejam factor essencial, naquilo que representam
de criatividade e inovação.
Esta convenção põe em letra de
lei o facto de ter deixado de fazer sentido a oposição entre uma visão
centrada
no património histórico, por contraponto à criação contemporânea. Pela
primeira
vez se reconhece que o património cultural é uma realidade dinâmica,
envolvendo
monumentos mas também as tradições e a criação contemporânea, e onde a
diversidade cultural e o
pluralismo têm de ser preservados contra a homogeneização e a
harmonização. É o culminar de uma reflexão levada a cabo pela comunidade
científica e
pelo Conselho da Europa, desde os anos 70, em matéria de «conservação
integrada» dos bens culturais e o passar da perspectiva do «como
preservar o património», à questão do «porquê e para quem lhe dar
valor?», como referiu Guilherme d'Oliveira Martins, presidente do Centro
Nacional de Cultura. E esta
ideia concretizou-se no entendimento segundo o qual o conhecimento e a
prática
respeitantes ao património cultural têm a ver, antes do mais, com o
direito dos
cidadãos participarem na vida cultural, de acordo com os princípios do
Estado
de Direito, conforme um conceito mais exigente de direitos e liberdades
fundamentais.
A Convenção considera, assim, o património cultural como um valor e um
recurso,
que tanto serve o desenvolvimento humano em geral, como concretiza um
modelo de
desenvolvimento económico e social assente no uso durável dos recursos,
com
respeito pela dignidade da pessoa humana. O património está pois, deste
modo, na
encruzilhada entre memória, herança
e criação, visando a convenção prevenir os riscos do uso abusivo
do património, desde a mera deterioração a uma má interpretação como
fonte de
conflitos. A cultura de paz e o respeito das diferenças obriga, no
fundo, a
compreender de maneira nova o património cultural como factor de
de compreensão e diálogo. Para defender, proteger ou preservar um
testemunho
ou um monumento há que considerar não só o valor histórico e
patrimonial, mas
também a relação que a sociedade tem com esse elemento. Na relação com a
História e com o património cultural há que assumir a herança histórica
no seu todo, envolvendo os aspectos
positivos e negativos. Na História remota, a
memória é mais distante, mas quando se trata de acontecimentos recentes
tudo é
mais difícil. Como escreveu Guilherme d’Oliveira Martins,”O presente das coisas passadas é a memória;
o presente das coisas presentes é a vida, e o presente das coisas futuras é a
espera. A nossa relação com a Cultura apenas pode assim ser entendida a partir da
História, das diferenças, da complexidade e do pluralismo, da responsabilidade
e da capacidade criadora”. Eis o novo paradigma.
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