terça-feira, 15 de janeiro de 2013

E as pegadas de Carenque?





Como é sabido, existe em Carenque, no concelho de Sintra, uma jazida de pegadas de dinossauros, geomonumento classificado desde 1997 como Monumento Natural. Descoberta em 1986 numa pedreira desactivada situada a 1 Km a SE de Belas, contém um registo fóssil constituído por mais de uma centena de pegadas do início do Cretácico Superior numa pista com mais de 140 m de comprimento (produzidas por dois quadrúpedes herbívoros e icnitos tridáctilos, possivelmente de carnívoros bípedes).
Esta jazida ocupa a laje da antiga pedreira da Quinta de Santa Luzia, um vazadouro que ia ser cortado pelo traçado da Circular Regional Exterior de Lisboa (CREL). A jazida com pegadas de dinossauros de Pego Longo (Carenque), do Cenomaniano médio de Portugal, foi considerada Monumento Natural devido a vários factores: é a jazida com vestígios de dinossauros mais recente de Portugal e tendo em conta a raridade de ocorrências neste período de tempo é um bom contributo para o conhecimento desta fauna; é caracterizada por uma pista longa de um dinossauro bípede, possivelmente ornitópode, e várias outras de terópodes; a pista longa do dinossauro bípede apresenta características particulares com interesse na compreensão dos fenómenos tafonómicos e de conservação; os diversos aspectos geológicos observáveis nesta jazida conjuntamente com as pistas de dinossauros, são elementos científicos com interesse e tornam o sítio um excelente local para o ensino da Geologia (representando um importante apoio para a compreensão dos conteúdos programáticos das disciplinas de Ciências Naturais), tornando-o uma janela privilegiada sobre a vida no passado geológico, em particular, e num pólo de raro interesse para a realização de acções de educação ambiental, em geral, promovendo o respeito pela natureza e pelo património natural; a proximidade da jazida da área da grande Lisboa torna-a previsivelmente um local com enorme afluxo de visitantes, especialmente de alunos de vários níveis de ensino.
Nesta zona protegida há ainda a considerar a existência de uma necrópole, a Necrópole de Carenque, que remonta ao período Paleolítico, inícios do Neolítico.
Encabeçada pelo paleontólogo Galopim de Carvalho, iniciou-se há vários anos uma campanha pela preservação das pegadas deixadas no período Cretássico, há cerca de 95 milhões de anos.
A conservação deste local constituiu um bom exemplo de mobilização da “sociedade civil”, então designada como “a batalha de Carenque", que acabaria por levar o Governo de Cavaco Silva a gastar seis milhões de euros (1,2 milhões de contos) num túnel que evitou a destruição dos vestígios. Nessa altura procedeu-se à moldagem de todas as pegadas em látex, que foi enrolado e levado para o museu. Depois foram cobertas com geotêxtil e cobertas de terra. Após 20 anos sobre esta descoberta, as pegadas de dinossauros de Carenque continuam tapadas, sem ter qualquer utilização pedagógica ou turística.
Uma proposta da autoria do arquitecto Mário Moutinho, foi apresentada à Câmara de Sintra em Novembro de 1995. Mas os anos foram passando, com a proposta encalhada na autarquia e no Instituto de Conservação da Natureza (ICN), organismo do Ministério do Ambiente que só em 1997 classificou a jazida de pegadas de dinossauros como monumento nacional. O projecto seria remodelado a pedido do ICN e entregue de novo à câmara em Novembro de 1999, dando origem a um orçado em cerca de 700 mil contos,que  previa a construção de um "pegário", uma estrutura em vidro sobre as várias pistas, a maior das quais atinge uma centena de metros. Uma escada em caracol da base da laje ao topo da antiga pedreira - onde se situaria o edifício de exposições -, permitiria visualizar as diferentes camadas geológicas e fazia também parte do projecto, que incluía  um jardim de minerais e outro com plantas ligadas ao período Cretácico. Um exomuseu, no fundo, palavra que visa definir um espaço "cujas peças estão fora das paredes [no exterior] e que mostra um conjunto de monumentos geológicos".
Em 2004, a Câmara de Sintra e o Museu de História Natural da Universidade de Lisboa assinaram um protocolo de cooperação  visando concretizar o projecto de museulização da jazida com pegadas de dinossauros de Pego Longo.
A concretização do projecto, denominado Museu e Centro de Interpretação de Pego Longo, seria beneficiada com o acompanhamento científico, museográfico e pedagógico do Museu Nacional de História Natural, que asseguraria a sua correcta execução e bom funcionamento.
Em causa está a falta de verba, orçada em 800 mil euros em 2006, uma vez que o município de Sintra só disponibilizava nessa altura 200 mil euros, caso o grosso do investimento fosse conseguido através de uma candidatura ao programa Interreg, de financiamento comunitário e que veio a falhar. O projecto de musealização não chegou à concretização porque tem falhado o aparecimento do investimento.
Visto o desbloqueamento da verba por parte da autarquia estar dependente do financiamento obtido por outra via, foi realizada uma segunda candidatura dirigida pelo Parque Natural da Serra D`Aires e Candeeeiros ao programa Picture de desenvolvimento regional virado para o turismo e aproveitamento de monumentos naturais.
 Depois de um período de mobilização, a sociedade civil e as autoridades têm estado adormecidas no que a este património concerne. Depois da experiência de geomonumentos como os de Penha Garcia e Foz Côa, para quando o de Carenque? Para que se gastou o dinheiro então? A recuperação do património e a obra de Galopim de Carvalho merecem que se retome este tema, sem que tenham de passar outros 95 milhões de anos.


 


Dois exemplares das pegadas, agora soterradas

 

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