Sérgio
Luís de Carvalho,autor de uma já vasta obra no campo do designado
“romance histórico”, e que publicou recentemente “O destino do Capitão
Blanc” falou ao nosso site sobre a sua obra, onde Sintra é
frequentemente presença em díspares momentos históricos. Em 2007 fez
igualmente parte da organização do III Encontro de História de Sintra
promovido pela Alagamares.
Licenciou-se em História (1981) e é mestre em História Medieval (1988).Foi Director Científico do Museu do Pão.
Publicou os romances “Anno Domini 1348”
(Edição C. M. S., 1990; Prémio Literário Ferreira de Castro 1989;
finalista do Prémio Jean Monnet de Literatura Europeia, Cognac 2004 e
finalista do Prémio Amphi de literatura Europeia Lille 2005), “As Horas de Monsaraz” (Campo das Letras, 1997), “El-Rei-Pastor” (Campo das Letras, 2000), “Os Rios da Babilónia” (Campo das Letras, 2003), “Retrato de S. Jerónimo no seu Estúdio” (Campo das Letras, 2006), entre outros, sendo a sua obra mais recente “O Destino do Capitão Blanc”(Planeta,2009,
Alguns
dos seus romances estão traduzidos e publicados em França e Espanha. É
ainda autor de vários livros de investigação histórica e literatura
juvenil.
ALAGAMARES(A)-O
Sérgio Luís Carvalho tem um traço comum na maior parte da sua obra, que
é a temática histórica. Fá-lo na preocupação de exactidão narrativa ou
como mero pano de fundo das tramas?
SÉRGIO
LUÍS CARVALHO(SLC)-Não consigo separar uma coisa da outra. Para mim,
mais que uma questão de estilo ou método, é uma questão de seriedade. Se
uso uma época como pano de fundo de um romance e se assumo as suas
personalidades históricas como minhas personagens (ou mesmo que as
inventasse) tenho de manter o rigor factual e a exactidão narrativa. Não
posso colocar D. Dinis a comer batatas ou D.Fuas Roupinho a falar em
“minutos”.
E
se proceder a alterações de monta no rigor e na exactidão para fins
narrativos -coisa que posso fazer em nome da liberdade criativa - acho
que devo revelar, em nota final, o que é verdade e o que é ficção.
Parece-me que outra coisa poderia ser batota. Ou seja, se eu
“falsificar” a história, tem de estar implícito nas regras do jogo
narrativo que eu “falsifiquei”.
A-O
período histórico em que se especializou é o da época medieval. Acha
que é justo considerar do ponto de vista cultural esse tempo histórico
como “a era das trevas”?
SLC-Creio
sinceramente que é uma injustiça histórica. Época difícil, sim. Época
pobre, decerto. Mas época das trevas é um erro. Sabem como surgiu o
termo Idade Média? Quando os renascentistas se quiseram afirmar,
retomando a herança clássica, forjaram o termo para designar a época que
os precedeu, como se entre Grécia/Roma e o Renascimento nada houvesse
digno de registo. O período entre os século V e XV estava no “Meio”.
Contudo, foi pelo diligente trabalho dos monges copistas medievais que
os renascentistas e humanistas tomaram conhecimento dos textos e autores
clássicos.
Além
disso, muito do que é atribuído à Idade Média ou é posterior, ou já
vinha de trás. Exemplos: a Inquisição começou, de facto na Idade Média,
mas teve o seu fulgor persecutório maior após a Contra-Reforma, no
século XVI. Em inúmeros aspectos, a situação da mulher (em Portugal)
pelo menos, era melhor na Idade Média em questões como violação ou
património, que depois. E se alguns pares da Igreja eram misóginos (se
eram), que dizer que muitos humanistas? E, já agora, sabiam que nunca
nenhuma mulher foi morta por bruxaria, em Portugal? E não é verdade que a
Idade Média permitia entre nós os judeus e os mouros, que só foram
expulsos nos finais do século XV, isto é, já após este período?
Bom,
mas acho curioso que seja a nossa época a enfatizar a Idade Média como
“das trevas”, quando existiram mais guerras no século XX que em toda a
História anterior, e quando as fomes são hoje desencadeadas por questões
político-económicas e não por falta de meios e de alimentos, como na
Idade Média. E quanto a questões de intolerância e de fanatismo… Hoje
estamos muito bem, decerto.
A-Quem é o personagem ou tema da História de Portugal sobre o qual gostaria de escrever um livro?
SLC-Muitos
há. Um deles, veja-se bem, é o antigo alcaide seiscentista de Sintra,
André de Albuquerque Ribafria. A história do homem é, ela mesma, uma
aventura incrível. E trata-se, sem nacionalismos excessivos, de um dos
melhores militares portugueses de sempre.
A-Sintra
está frequentemente presente na sua obra, logo a começar em “Anno
Domini 1348”.O que representa para si Sintra no plano da inspiração
literária?
SLC-Não
acredito na “inspiração” literária. Acredito na “inspiração”
desencadeada e provocada pelo trabalho constante e diário. Não me
inspiro nas brumas da serra ou nas ruínas dos palacetes. Se posso -isso
sim- considerar como “inspiração” o conjunto de referências afectivas,
emocionais e artísticas que me rodeiam e que me fazem, então Sintra
“está lá”. Mas sempre como elemento de um todo.
A-O que pensa do movimento cultural em Sintra? Que áreas ou assuntos considera mais e menos bem tratados?
SLC-Acho que temos muita e boa gente a laborar em prol da cultura. A Alagamares não é um bom exemplo?
Creio
que há um grande problema com o nosso património e com a degradação
urbana nos centros históricos. Coisa comum a outras terras, aliás. Sei
que são áreas sensíveis cuja solução (se há) desconheço. Mas permitam-me
este desabafo.
A-Quais são em sua opinião os romances de inspiração histórica portugueses mais relevantes?
SLC-Herculano
é como o dedo médio das nossas mãos: o “pai de todos”. Ainda que
(talvez) datado, por vezes chato, quiçá um bocadito ultrapassado e
“pesado” (tudo mentiras, claro), Herculano está para o romance histórico
português como Walter Scott para o romance histórico europeu.
Depois,
houve muitos e bons autores e muitos e bons romances. Há muitos e bons.
Haverá muitos e bons. A crítica primeiro, o Tempo depois (e de forma
definitiva) dirão quais os mais relevantes. E não, esta resposta não é
politicamente correcta. É a minha verdade.
A-Acredita na afirmação de que todos os livros são autobiográficos e no fundo se escreve sempre a mesma história?
SLC-Sendo
certo, seguro e sabido que só posso falar por mim, o que penso é que um
autor está sempre em cada personagem sem ser nenhuma personagem. Em
cada história, em cada narrativa, em cada personagem, o autor põe as
suas referências, memórias, pulsões, visão do mundo, inquietações,
medos, anseios, preocupações, desejos, amores e desamores. O autor “está
lá”, mas não “é lá”. A resposta sobre a suposta autobiografia em cada
livro só pode ser, portanto “nim”.
Por
tudo isto, compreenderão que a resposta à segunda parte da questão seja
também pouco assertiva. O autor repete, sim, em cada história, as suas
referências, memórias, pulsões, visão do mundo, inquietações… Bom, já
sabem o resto. Enfim, é o mesmo romance, por certo. Mas não é nunca o
mesmo romance.
8-Como vê o panorama literário português da actualidade?
SLC-Está bem e recomenda-se, como sempre assim foi.
9-Acha que seria útil ou justificada uma Universidade em Sintra, ou uma cátedra de estudos sintrenses?
SLC-Vai para aí uma enorme e justificada discussão sobre o
valor dos inúmeros cursos que nas nossas universidades se leccionam e
sobre o valor de muitas universidades, algumas delas suspeitas de longa
data. Longe de mim dar exemplos…
Uma
Universidade de Estudos Sintrenses parece-me excessivo.Talvez uma
Universidade de Estudos Locais e Regionais, com cursos sobre História
Local, Administração Local, Ordenamento do Território, Problemática do
Poder Local, Património Regional, Acção Sócio-Cultural em Contexto
Local, etc…Caramba, já estou a criar aqui todo um curriculum. Aí, sim,
poderia fazer sentido uma cátedra de História e Património Sintrense.
Pode-se fazer bons estudos e boa divulgação da História de Sintra fora
do contexto universitário, aliás. Porque não? Fala-se sempre tanto da
ligação das empresas à cultura, ao conhecimento, à investigação, que me
parece curioso que haja quem sorria da hipótese de um seminário de
História de Sintra poder ser dado numa empresa… Assim os nossos
empresários tivessem essa visão social e cultural das empresas…
10-Qual a sua opinião sobre o Acordo Ortográfico?
SLC-Talvez
a minha opinião não seja maioritária nem a mais popular. E é dada como
mero utilizador da língua e não como filólogo e/ou linguista, claro. A
verdade é que eu sou favorável ao acordo ortográfico, tal como serei
sempre favorável ao que una mais a língua portuguesa sem lhe aniquilar
as singularidades locais. Neste sentido, apesar de possíveis problemas,
eventuais erros ou possíveis lacunas, parece-me que este acordo é um
passo em frente, um passo positivo nesse desígnio e um dado positivo na
afirmação do português no mundo.
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