sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Tertúlia com Sérgio Luís Carvalho- 23/11/2012

  Margarida Pinto, Sérgio Luís Carvalho, Miguel Real e Fernando Morais Gomes

Promoveu a Alagamares no dia 23 de Novembro no Café Saudade, em Sintra, a apresentação do livro de Sérgio Luís Carvalho “O Exílio do Último Liberal”. Sérgio Luís de Carvalho, autor de uma já vasta obra no campo do designado “romance histórico”, que já em 2007 fez parte da organização do III Encontro de História de Sintra promovido pela Alagamares, e por duas ou três vezes participou em sessões literárias por nós promovidas, é um dos escritores contemporâneos mais profícuos, alem de ser um sintrense e em Sintra exercer a sua profissão e nela se ter inspirado para algumas das suas obras, como é o caso de “Anno Domini 1348” (Edição CMS, Prémio Literário Ferreira de Castro 1989), para além de títulos como  “As Horas de Monsaraz” (Campo das Letras, 1997), “El-Rei-Pastor” (Campo das Letras, 2000), “Os Rios da Babilónia” (Campo das Letras, 2003), “Retrato de S. Jerónimo no seu Estúdio” (Campo das Letras, 2006), entre outros, sendo as suas obras mais recentes “O Destino do Capitão Blanc”(Planeta,2009) ou “O Segredo de Barcarrota”, também por nós apresentado no Café Saudade já este ano.

Característica comum a todas as obras é a de aliar o romance com o rigor histórico, por uma questão de seriedade. “Não posso colocar D. Dinis a comer batatas ou D.Fuas Roupinho a falar em “minutos” disse certa vez. Se sobre Sintra foi a sua obra de lançamento, Anno Domini 1348, o ano da mortífera peste que assolou a Vila e nela ceifou vidas, é sobre o antigo alcaide seiscentista de Sintra, André de Albuquerque Ribafria que revelou já vir a gostar de escrever uma obra. Tendo Alexandre Herculano como o pai do romance histórico e também como referência, Sérgio Luís Carvalho é um produtor profícuo, abraçando épocas e contextos históricos dos mais díspares, e para tanto realizando um sério e extenso trabalho de investigação.
Na obra apresentada, O Exílio do Último Liberal, presenteia-nos com um “romance com final feliz” no dizer de Miguel Real, situado na Europa de 1830, quando em Portugal se erguiam forcas e em Inglaterra fábricas, frase que marca o tom da narrativa que nos levará de Lisboa e Coimbra a Londres, e tendo o jovem e rebelde  Sebastião, exilado e assistente do médico inglês William White, como protagonista. Mais uma obra de fôlego que revisita a História de Portugal e consagra um percurso consistente e sedutor, sobretudo para quem gosta do romance histórico, esventrando os primeiros tempos das autópsias legais, na nebulosa Londres, aguardando o dia em que vitoriosos os liberais e posta D.Maria no trono volta a Lisboa para seguir o seu destino.

Sobre a obra, escreveu Miguel Real no Jornal de Letras:

(...)um dos legítimos continuadores de Fernando Campos, João Aguiar e Mário de Carvalho neste género literário, a par com Pedro Almeida Vieira, João Paulo Oliveira e Costa, Júlia Nery, Paulo Moreiras, João Pedro Marques, Paula de Sousa Lima, acaba de publicar um romance com final feliz, O Exílio do Último Liberal.

Tão raros são hoje os “finais felizes” e tão trágico (mesmo distópico) tem sido o modo de representação estética da realidade portuguesa no romance, que é de saudar, por inesperado, um romance com um final feliz. Aliás, um romance com uma belíssima frase inicial e um belíssimo final.

No romance ora publicado, ainda que referido, desapareceu a importância do cão – personagem integrante dos romances de Sérgio Luís de Carvalho desde a década de 90 -, substituído por um gatinho (Yellow), de menor importância na problematização da história (por não ter expressa relação com o universo humano). E desapareceu igualmente a componente do maravilhoso que o autor experimentara – com nítido sucesso – em O Segredo de Barcarrota, estatuindo o Diabo como uma personagem com existência entre a realidade onírica e a realidade física. Com a supressão da componente fantástica, O Exílio do Último Liberal devolve-nos o Sérgio Luís de Carvalho de sempre, um romancista realista, com um forte pé na História, leal a fontes coevas, narrando fidedignamente a atmosfera social da época, criando tanto uma história verosimilhante quanto personagens plausíveis.

Neste sentido, Sérgio Luís de Carvalho assume a autoria da narração de uma história no sentido clássico do termo, inclusive rematando-a com um final feliz. Para trás ficaram os experimentalismos sintácticos dos seus primeiros romances, bem como o valor literário trágico que atribuía tanto às personagens como à própria história. Esperemos pelo futuro, mas por ora é como se o autor tivesse regressado às fontes vivas e permanentes do romance histórico no sentido alexandre-herculiano do termo.

E regressou da melhor maneira. O Exílio do Último Liberal é um genuíno romance histórico clássico, iluminador de um tempo português (guerra civil entre Liberais e Absolutistas no Constitucionalismo Monárquico) e inglês (momento de liberalização das autópsias na Inglaterra), de um espaço português (Coimbra, Porto, Lisboa) e britânico (Londres), dotado de personagens suficientemente representativas de ambos os tempos históricos, com a sua personalidade singular e a sua actividade suficientemente rara ou original para receber destaque num romance.

A frase de abertura é geradora de um autêntico “programa” literário. Sob o seu sentido, poderia o autor escrever três ou quatro romances sintetizadores do estado político das sociedades portuguesa e inglesa ao longo do século XIX: “Naquele ano de 1832 erguiam-se forcas em Portugal e fábricas em Inglaterra” (p. 9). Os tormentos da Guerra Civil, em Portugal, tinham enviado pata o exílio em França e na Inglaterra centenas de militantes liberais, entre os quais Alexandre Herculano e Almeida Garrett. Salvador, estudante de Medicina, povoado de traumas infantis devido à sua origem familiar, exilado em Londres, não participara nas batalhas liberais. Pertencera ao grupo carbonário dos Divodignos (“Dignos de Deus”) que assassinara dois lentes de Coimbra integrantes da comissão da Universidade que vinha a Lisboa saudar o regresso de D. Miguel (pp. 277 ss.). Salvador fora perseguido em todo o país pelos absolutistas. Em Londres é auxiliado pelo capitão Romão José Soares (p. 287), o mesmo que, regressado em triunfo a Lisboa, no dia 24 de Junho (de 1833, nome da avenida marginal ocidental de Lisboa), matará o torcionário absolutista Teles Jordão, director do Forte de São Julião da Barra, cadeia tão asquerosa para os liberais como Caxias para os oposicionistas do Estado Novo. Em Londres, Sebastião tornara-se assistente do médico William White, no Hospital de São Tomás. Pressionado pelas necessidades financeiras, Salvador integra o grupo dos “Ressurrecionistas”, que rouba cadáveres no cemitério de Bloomsbury para os vender aos hospitais, destinados a práticas operatórias. Em Londres, o bairro de Whitechapel e a zona pobre de East End contrastam com os bairros finos de Westminster, Hammersmith, ou Harley Street, onde vive o juiz Black, terror dos médicos que praticam a autópsia (pp. 42 ss.). O juiz Black apaixona-se por Rose, costureira, noiva de Salvador e, segundo palavras do juiz,  “reencarnação” do corpo da sua falecida mulher. Ted Nunn, antigo carvoeiro, pai de Rose, velho, doente, albergado em Shoe Lane, antecâmara da morte para pobres, receia que o seu cadáver seja retalhado pela autópsia, impedindo o seu corpo de se apresentar intacto perante o Senhor e de cumprir “em paz o seu sono derradeiro”. Ted opõe-se à paixão mórbida de Black por Rose e simpatiza com Salvador, abençoando o futuro casamento da filha com este. O médico White aprecia muito positivamente o trabalho de Salvador no hospital. A Câmara dos Comuns legisla sobre a matéria, enviando os cadáveres dos pobres para a mesa da autópsia, livrando desta os dos ricos. Mas – história com final feliz - o corpo de Ted não será retalhado, o mesmo não acontecendo ao corpo do juiz Black. D. Pedro IV vencera o irmão absolutista em Lisboa, D. Maria II vem de França para Portugal assumir o trono, que D. Miguel lhe roubara. Salvador, já médico, amnistiado politicamente, com algum dinheiro, regressa Portugal no navio que transporta D. Maria II. Salvador pode, enfim, confessar a Rose: “Vamos ser muito felizes, Rose” (p. 318).
 

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