Em 24 de Agosto de 1924 veio a Sintra o então Presidente da República,
Teixeira Gomes, para o lançamento da primeira pedra do novo hospital, um projecto de Pardal Monteiro, a
localizar atrás da então cadeia comarcã e confinante com a R. das
Murtas, junto à estação ferroviária. Usou-se da palavra, exaltou-se o
progresso, peroraram os comendadores encartados, fez-se auto do
acontecimento e do mesmo se lavrou cópia, que se depositou debaixo da
pedra em recipiente de vidro, enterrada testemunha para a eternidade
daquele momento solene em que Sintra ia passar a ter o "seu" hospital. Vistosa foi a cerimónia, com
ministros, edis, fardas com dragonas e filantrópicas damas, tudo com
acompanhamento musical das Bandas do 1º de Dezembro e dos Bombeiros da
Vila e S.Pedro. Sintra rejubilava com mais esse acertado passo no
sentido dos melhoramentos, a saúde ía inscrever-se no mapa dos direitos
que uma sociedade civilizada não podia dispensar.
Os
anos passaram, os regimes também, e do novo hospital nem um tijolo.
Noventa anos depois, perdeu-se o velhinho Hospital da Misericórdia, na
Vila e a assistência ao maior concelho do país (em residentes) é feita
em unidades dos concelhos limítrofes. Outras pedras e outros projectos
se foram sucedendo, mas o Verbo é inimigo da Verba e a saúde continuou
bastante adoentada. Inclusive, não fossem as normas do registo civil
alteradas, ninguém, não fosse nascido dentro da ambulância ou em algum
carro dos bombeiros poderia reclamar ter nascido em Sintra, pois há
vários anos que maternidade é valência desconhecida por aqui, nunca um
primeiro choro de bebé ressoa nestes ares avessos a parturientes. As
poucas cegonhas vindas de Paris sobrevoam a Pena, mas com destino a
Cascais ou a Lisboa.
Projectos,
terrenos e comissões, já houve vários, conforme os ciclos eleitorais (e
por causa deles),mas um Hospital de Sintra (e em Sintra, concelho)é já
do domínio da lenda. Aquela pedra e aquele recipiente de vidro
solenemente enterrados em 1924, são homenagem perene e subterrânea à
incapacidade de decidir, apanágio de quem nos tem (des)governado de
forma endémica, na fúria estatística de coleccionar primeiras pedras
para mero arremesso de propaganda.O Hospital de Sintra deixou de ser uma
prioridade para os vivos, mas será por certo um atractivo para os
futuros arqueólogos que um dia descubram a pedra, qual Graal redentor, e
até pensem que tenha havido um holográfico hospital em Sintra, na Rua das Murtas.
Sem comentários:
Enviar um comentário